Ana Jansen foi uma mulher rica que, nos meados de 1800, se tornou conhecida como “Rainha do Maranhão”, tal o poder que acumulou.
O Maranhão, como é sabido, era a capitania coirmã do Gram-Pará, no período colonial.
Dentro do reino de Portugal, ambos compunham o Estado do Gram Pará, uma unidade administrativa independente do Brasil.
Ana Jansen nasceu em 1787.
Ana Jansen pertencia a duas famílias antigas, descendentes de nobres europeus, as Moller e Praet, instaladas no Maranhão, havia muitas décadas.
Seu nascimento ocorreu no ano de 1787.
Já adulta, ela iria se casar com um fazendeiro rico, Izidoro Rodrigues Pereira.
Com quem teve seis filhos.
Após a morte de Izidoro, viúva, Ana pôde se revelar uma administradora brilhante, tendo multiplicado por três a riqueza que herdara.
Mais, tarde, se tornou amante de um desembargador, Francisco Vieira de Melo.
Com quem teve mais quatro filhos.
Quando já tinha 60 anos de idade, casou-se novamente.
Desta vez, com um comerciante rico do Pará, Antônio Xavier da Silva.
Seu poder econômico crescente deu-lhe, quando já matriarca, grande influência no meio político do Maranhão.
A ponto de fazer dela uma espécie de coronel político de saia.
Segundo comentários veiculados nas publicações que circulavam em São Luís, naquela época, no sobrado de Ana eram decididas as questões importantes da administração do Estado.
Isto a colocava, publicamente, em polêmicas exaltadas com quem não gostava dela.
Acusações e ofensas estampadas em pasquins – uns, favoráveis a ela, outros, contra – alimentavam estas polêmicas.
Foi nestes pasquins de adversários que se originaram-se histórias sobre as maldades dela.
Uma delas era a de que Ana teria mandado jogar animais mortos no sistema de abastecimento público de água de São Luís.
Com intuito de continuar vendendo a água transportada por caminhões-pipas de sua propriedade.
Ela teria sido particularmente cruel com seus escravos, às vezes por motivos fúteis.
Dizia-se que, nos terrenos das fazendas de Ana, teriam sido achados centenas de ossos de escravos assassinados por suas ordens.
E que ela teria mandado quebrar todos os dentes de uma escrava apenas porque a pobre coitada sorriu à sua passagem. .
Uma destas histórias de maldades, porém, contém uma inesperada carga de humor.
E foi aproveitada pelo escritor Josué Montello em seu livro “Os tambores de São Luís”.
Segundo a obra de Montello, determinado adversário de Ana teria mandado fabricar penicos na Europa, com a imagem dela no seu interior.
Ana teria reagido ordenando a seus escravos que fizessem uso daqueles apetrechos.
Depois, despejassem os conteúdos deles em frente da casa do seu desafeto.
Se a história for verdadeira, que aparência poderiam ter tido aqueles penicos?
Para podermos imaginá-la a designer gráfica Daniela Vianna fez uma montagem.
Aplicou o rosto da Rainha do Maranhão, retirado da única foto dela existente no interior de um urinol inglês, da época.
A imagem resultante da montagem, ainda que não corresponda com exatidão ao do suposto urinol, deve ter alguma proximidade com ele.
Outras lembranças que os maranhenses preservam de Ana Jansen se sustentam quase só nestas lendas sobre maldades supostamente praticado depois que ela se tornou rica e poderosa.
A mais propagada diz que a maldosa Ana Jansen reaparece à noite numa carruagem encantada, em que percorre as ruas de São Luís.
A carruagem é conduzida por cavalos decapitadas.
Controlados por um cocheiro igualmente sem cabeça.
De qualquer forma, em São Luís, há elementos reais que confundem quem pretenda separar os fatos das narrativas fantasiosas sobre ela.
Um destes elementos é o sobrado antigo, preservado, em que ela viveu.
Evidentemente uma habitação de pessoa poderosa.
E, há as placas de esquinas, em São Luís, com homenagens a ela.
Colocadas numa avenida e numa lagoa que receberam o nome dela.
Apesar disto, no entanto, sequer sobre a aparência física de Ana Jansen há dados rigorosamente verdadeiros.
Ora, ela é apresentada como uma pessoa que foi muito bonita.
É o que sustenta, por exemplo, o Dicionário das Mulheres do Brasil, no verbete sobre a “Rainha do Maranhão” elaborado com a supervisão da pesquisadora Rita Ribeiro.
Ora, ela é mostrada como uma mulher “sem encantos físicos”.
Afirma isto, por exemplo, outra pesquisadora, Maria Janotti.
Contudo, as duas estudiosas, embora em contradição, tem qualificações acadêmicas que lhes permitem fazer afirmações sobre Ana como estas.
Rita Ribeiro obteve seu título de mestre na USP, com a apresentação de uma monografia intitulada “Ana Jansen, Desconstrução da Lenda e Reconstrução da Personagem”.
E Janotti, doutora em História Social, publicou, na Revista Brasileira de História, um ensaio – “Três mulheres da elite maranhense” – em que analisa a importância da “Rainha do Maranhão”, dentro de sua região, e, no período em que ela viveu.
Outro confronto ocorre entre as pesquisadoras quando tratam da juventude de Ana, uma fase dura, para ela, porque sua família perdeu tudo o que tinha, com o fracasso de seus negócios.
E Ana teve de enfrentou amargos dias de pobreza.
Segundo Rita, naquele instante difícil, Ana “apaixonou-se por alguém cujo nome nunca revelou”.
E com ele teve um filho bastardo.
Já Janotti demonstra que o pai daquela criança era conhecido, sim.
Chamava-se Antônio Lobo da Silva Leite.
Janotti acrescenta que Ana casou-se com ele.
Portanto, seu filho primogênito, cujo nome era Manoel Jansen, não era bastardo.
Por fim, Janotti diz, ainda, que este marido de Ana, o primeiro, morreu pouco depois de se casar com ela, deixando-a na situação de uma viúva jovem.
O mais intrigante nestas discrepâncias é que o ensaio de Janotti está mencionado no final do verbete daquele dicionário sobre Ana, cuja elaboração foi supervisionada por Rita Ribeiro.
Assim, sequer duas especialistas – uma das quais conhece a produção da outra – entram em acordo na reconstituição de dados elementares da biografia desta personagem da Amazônia.
Não surpreende, por conseguinte, que outras dificuldades se anteponham a quem busque mais respostas sobre Ana Jansen.
Como:
1ª) o quanto ela foi pobre?
2ª) o quanto, depois, ela enriqueceu e acumulou poder político?
3ª) o quanto ela realmente se tornou uma pessoa cruel?
*Oswaldo Coimbra é escritor e jornalista
English translation (tradução para o Inglês)
Why the Queen of Maranhão was placed inside a chamber pot
Ana Jansen was a wealthy woman who, in the mid-1800s, became known as the “Queen of Maranhão,” such was the power she accumulated.
Maranhão, as is well known, was the sister captaincy of Grão-Pará during the colonial period.
Within the Portuguese Empire, both were part of the State of Grão-Pará, an administrative unit independent of Brazil.
Ana Jansen was born in 1787.
She came from two old families, descended from European nobles — the Moller and Praet families — who had been settled in Maranhão for many decades.
In adulthood, she married a wealthy landowner, Izidoro Rodrigues Pereira, with whom she had six children.
After Izidoro’s death, as a widow, Ana proved to be a brilliant administrator, tripling the fortune she had inherited.
Later, she became the mistress of a magistrate, Francisco Vieira de Melo, with whom she had four more children.
At the age of 60, she married again, this time to a wealthy merchant from Pará, Antônio Xavier da Silva.
Her growing economic power granted her, as matriarch, great influence in Maranhão’s political life — to the point of making her a sort of female political coronel.
According to reports in São Luís publications at the time, important state administrative matters were decided in Ana’s mansion.
This inevitably led to heated public quarrels with her detractors.
Accusations and insults printed in pamphlets — some favorable, others hostile — fueled these controversies.
It was in these hostile pamphlets that stories about her alleged cruelties first appeared.
One of them claimed that Ana had ordered dead animals to be thrown into São Luís’s public water supply system so she could keep selling water from the tanker carts she owned.
She was said to have been particularly cruel to her slaves, sometimes for the most trivial reasons.
It was rumored that hundreds of bones of slaves murdered at her orders were found on her estates.
And that she once had all the teeth of a slave woman broken simply because the poor woman smiled as Ana passed by.
One of these tales of cruelty, however, carried an unexpected note of humor — later retold by writer Josué Montello in his novel The Drums of São Luís.
According to Montello’s account, one of Ana’s adversaries had chamber pots manufactured in Europe with her image painted inside.
Ana allegedly retaliated by ordering her slaves to make use of those very items and then dump their contents at the doorstep of her enemy’s house.
If the story is true, what might those chamber pots have looked like?
To help us imagine it, graphic designer Daniela Vianna created a montage. She placed the face of the Queen of Maranhão — taken from the only known photograph of her — inside an English chamber pot from that period.
The resulting image, though not an exact replica of the supposed item, likely comes close to what it might have been.
Other memories that people in Maranhão preserve of Ana Jansen are sustained almost entirely by these legends of cruelty said to have emerged once she became rich and powerful.
The most widespread of them says that the wicked Ana Jansen still appears at night in an enchanted carriage, roaming the streets of São Luís.
The carriage is drawn by headless horses, driven by a headless coachman.
In São Luís, however, real elements still blur the line between fact and fantasy.
One such element is the preserved old mansion where she lived — clearly the dwelling of a powerful person.
There are also the street signs and plaques honoring her, on an avenue and a lagoon that bear her name.
Even so, not even Ana Jansen’s physical appearance is described with certainty.
Some accounts describe her as very beautiful — as does the Dictionary of Women of Brazil, in the entry on the “Queen of Maranhão” supervised by researcher Rita Ribeiro.
Others, like historian Maria Janotti, describe her as a woman “without physical charms.”
Both scholars, despite contradicting one another, have the academic background to make such assertions.
Rita Ribeiro earned her master’s degree at the University of São Paulo, presenting a dissertation titled Ana Jansen, Deconstruction of the Legend and Reconstruction of the Character.
Janotti, a PhD in Social History, published an essay in the Revista Brasileira de História — Three Women of the Maranhão Elite — analyzing the importance of the “Queen of Maranhão” in her region and in her time.
The two also diverge when discussing Ana’s youth, which was a difficult phase, as her family lost everything after business failures, leaving her in bitter poverty.
According to Ribeiro, in that hard moment, Ana “fell in love with someone whose name she never revealed” and had an illegitimate child with him.
But Janotti demonstrates that the father of the child was in fact known: Antônio Lobo da Silva Leite.
She adds that Ana married him, and thus her firstborn, Manoel Jansen, was not illegitimate.
Janotti further notes that Ana’s first husband died soon after their marriage, leaving her a young widow.
What is most striking is that Janotti’s essay is even cited in the bibliography of the dictionary entry supervised by Rita Ribeiro — yet the two specialists, despite one knowing the other’s work, could not agree on these basic biographical facts.
It is therefore unsurprising that many difficulties remain for those who seek answers about Ana Jansen, such as:
- How poor was she really?
- How much wealth and political power did she later accumulate?
- To what extent did she truly become a cruel person?
Oswaldo Coimbra is a writer and journalist
(Illustration: montage by the designer)
The post Porque a Rainha do Maranhão foi colocada num urinol appeared first on Ver-o-Fato.