EXCLUSIVO – Despejo pela metade, idosas sob risco em Belém: decisões polêmicas

Decisões conflitantes entre juíza e desembargador do TJ expõem a frieza burocrática do Judiciário diante da vulnerabilidade de duas mulheres doentes e cadeirantes.

A juíza Lailce Marron, da 9ª Vara Cível e Empresarial de Belém, enviou informações ao Tribunal de Justiça do Pará em resposta ao desembargador Leonardo de Noronha Tavares, relator do agravo de instrumento que envolve o despejo de duas idosas Sandra e Doralice Ferreira, mãe e filha, ambas doentes e cadeirantes, residentes na Travessa 14 de Março, no bairro de Nazaré.

Em sua manifestação, a magistrada destacou que a medida de despejo realizada no dia 8 de setembro não atingiu a casa onde vivem as idosas, mas apenas o imenso terreno vizinho, classificado como imóvel não residencial.

Na decisão em que suspendeu o despejo, o desembargador Leonardo Tavares deu 48 horas para que a juíza prestasse informações. Mas parte do despejo foi cumprido. Essa contradição precisa ser esclarecida. A suspensão envolvia toda a área, incluindo a residência das idosas?

Segundo a juíza, o cumprimento da ordem judicial foi limitado “ao imóvel de natureza não residencial, permanecendo suspenso quanto ao bem de natureza residencial, até ulterior deliberação”.

Lailce Marron explicou ainda que solicitou prazo de 15 dias para a realização de estudo social sobre as condições de saúde, financeiras e de acolhimento das idosas, antes de qualquer medida envolvendo a residência onde elas vivem.

“Assim, até o presente momento, foi dado cumprimento parcial à ordem judicial de desocupação, limitada ao imóvel não residencial, encontrando-se pendente de efetivação a medida em relação ao bem residencial objeto da controvérsia”, escreveu a juíza.

Disputa judicial e humanidade

O caso das duas idosas, ambas doentes e cadeirantes, ameaçadas de despejo em Belém, revela não apenas uma disputa jurídica sobre posse de imóveis, mas também uma falha grave na sensibilidade do Judiciário diante da vulnerabilidade humana.

Na manifestação enviada ao desembargador Leonardo de Noronha Tavares, a juíza Lailce Marron fez questão de esclarecer que a execução realizada no dia 8 de setembro não atingiu a casa das idosas, mas apenas um terreno vizinho, classificado como imóvel não residencial. Mais do que isso: ela informou que pediu 15 dias para a realização de um estudo social antes de qualquer medida que afete diretamente a moradia das mulheres.

O ponto central, entretanto, é que essa providência — básica em casos que envolvem pessoas idosas, doentes e em situação de risco social — havia sido dispensada pelo próprio desembargador Tavares, que considerou o estudo social “inútil” e restabeleceu de imediato os efeitos da ordem de despejo. Na prática, uma decisão superior acabou por esvaziar a possibilidade de avaliar minimamente os impactos humanos da remoção forçada.

Visões judiciais

Essa postura revela um paradoxo preocupante: enquanto a legislação e a Constituição asseguram proteção especial às pessoas idosas e às pessoas com deficiência, uma decisão judicial que deveria ser garantidora de direitos tratou a situação apenas sob o prisma da propriedade formal, ignorando o sofrimento humano que um despejo pode causar.

Não se trata apenas de um embate entre juíza e desembargador. Trata-se de um embate entre visões de justiça: de um lado, a que busca equilibrar o cumprimento da lei com a dignidade humana, preservando a saúde e a vida das idosas até que se esclareça sua real condição; de outro, uma aplicação fria e burocrática, que reduz pessoas frágeis a obstáculos processuais.

O risco, se não houver uma correção de rota, é transformar o Judiciário em agente de desproteção social, legitimando a violência institucional contra quem deveria ser amparado. O caso das idosas da Travessa 14 de Março já expõe esse dilema: quem julga está disposto a enxergar apenas papéis e escrituras ou também rostos, histórias e fragilidades?

A resposta a essa pergunta dirá muito sobre a capacidade da Justiça de ser não apenas legal, mas justa.


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