Apresentador de Web TV é condenado por ataques racistas a indígenas do Pará

A Justiça Federal acolheu pedidos do Ministério Público Federal (MPF) e condenou o apresentador de webTV Raymmond Klebbert de Sousa e a empresa proprietária do canal TV Catraia por promoverem discurso de ódio e racismo contra 14 etnias indígenas da região do Baixo Tapajós, no Pará. A decisão é de primeira instância e contra ela cabe recurso.

A sentença impõe três medidas principais: pagamento de indenização por danos morais coletivos, retratação pública e obrigação de divulgar conteúdos sobre a cultura indígena. Trata-se de uma decisão emblemática, pois sinaliza que a liberdade de expressão não pode ser utilizada como escudo para a propagação de preconceitos que ferem a dignidade humana.

A ação civil pública, movida pelo procurador da República Vítor Vieira Alves, aponta que as ofensas ocorreram em 23 de junho de 2022, durante transmissão ao vivo do programa Conexão Catraia, exibido no Facebook. Na ocasião, o apresentador comentava sobre o evento Acampamento Santarém Território Indígena: Luta pela Vida, organizado pelo Conselho Indígena Tapajós e Arapiuns (Cita).

Durante a transmissão, Raymmond de Sousa atacou frontalmente a identidade dos povos indígenas, chamando-os de “faz de conta”, “pseudos” e “inventados”. Ele chegou a afirmar que os participantes do movimento estariam “brincando de índio”, em oposição ao que denominou “índios de verdade”.

A sentença

Para o juiz federal Nicolas Gabry da Silveira, as falas não podem ser enquadradas como mera opinião pessoal. Em sua decisão, ele destacou que o apresentador “ultrapassou os limites da liberdade de expressão, incorrendo em prática de discriminação e racismo”.

O magistrado reforçou ainda que as declarações “difundem ideias preconceituosas e segregacionistas” e atentam contra a dignidade, a honra e a própria identidade cultural dos povos indígenas do Baixo Tapajós.

Obrigações impostas

A decisão judicial determinou que Raymmond de Sousa e a TV Catraia cumpram, solidariamente, as seguintes medidas:

  • Indenização: pagamento de R$ 30 mil por danos morais coletivos, sendo metade destinada ao Fundo de Defesa de Direitos Difusos e a outra metade à Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), com aplicação específica em favor das 14 etnias atingidas.
  • Retratação pública: produção de um vídeo reconhecendo a ilicitude das falas, com duração mínima de 2 minutos e 15 segundos (equivalente ao tempo em que ocorreram as ofensas). O conteúdo deverá ser previamente aprovado pelo MPF e permanecer publicado, em destaque, no canal da TV Catraia por ao menos três meses.
  • Divulgação da cultura indígena: publicação semanal, durante três meses, de material informativo valorizando a cultura e a história dos povos do Baixo Tapajós, a partir de conteúdo proposto pelo Cita.

Um dos pedidos do MPF – a remoção do vídeo original com as falas ofensivas – foi considerado prejudicado, uma vez que a exclusão já havia sido determinada em ação penal paralela.

Caráter pedagógico

A decisão vai além da reparação financeira: tem caráter pedagógico. Obrigar o apresentador e a emissora a divulgar a cultura indígena transforma a punição em um instrumento de reparação simbólica e de combate ao preconceito.

Vale destacar também a importância da atuação do MPF, que tem sido um dos principais órgãos a defender os direitos dos povos indígenas diante de ataques recorrentes. É a linha tênue entre liberdade de expressão e crime de ódio: a primeira é direito fundamental; a segunda, não pode ser tolerada.

Em uma sociedade plural como a brasileira, que deve sua formação histórica e cultural à presença dos povos originários, negar ou ridicularizar a identidade indígena é mais do que preconceito — é um ataque à própria memória coletiva do país.

Referência processual: Ação Civil Pública nº 1023131-47.2023.4.01.3902.

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