A renovação das concessões ferroviárias da Vale são oportinidades perdidas? Foto: Divulgação
Governo federal trava queda de braço com a Vale para obrigá-la a entrar em negócio de mineração de ferro na Bahia. Enquanto isso, aos paraenses sobram as migalhas de sempre.
Por Aldenor Junior
“Lá vai o trem com o menino/Lá vai a vida a rodar
Lá vai ciranda e destino/Cidade e noite a girar”
Trenzinho Caipira. Ferreira Gullar e Heitor Villa-Lobos
Tudo que envolve a Vale é gingantesco, medido em bilhões e bilhões de dólares. Seus anúncios de novos investimentos costumam animar o mercado, uma espécie de festa exclusiva para a altíssima granfinagem. As portas do regabofe, entretanto, permanecem totalmente fechadas para os verdadeiros donos da riqueza que ela explora e enche as frotas transatlânticas em direção aos grandes centros metropolitanos, hoje, sobretudo, para alimentar a grande fornalha industrial na China.
Há poucos dias, por exemplo, a Vale anunciou R$ 67 bilhões de reais em ampliação de suas operações em Minas Gerais, seu berço e maior área de exploração até que surgisse, a partir dos anos 1980, a exploração da Província Mineral de Carajás, no Pará, esta sim sua nova galinha dos ovos de ouro. Apesar do esforço do presidente da empresa, Gustavo Pimenta, para destacar essa pauta positiva, um outro tema – algo indigesto – acabou se infiltrando na cobertura: a continuidade da queda de braço que desde a posse em 2021 o governo Lula trava buscando compensações diante da renovação antecipada das concessões ferroviárias que a empresa detém, no Pará e no Maranhão, com a Estrada de Ferro Carajás (EFC) e em Minas e no Espírito Santo, com a Estrada de Ferro Vitória-Minas (EFVM), realizada ainda pela Gestão Bolsonaro.
As concessões, com validade de 50 anos, iriam expirar em 2027, mas Bolsonaro e a Vale se acertaram para que houvesse uma prorrogação de mais 30 anos. Uma operação cercada de suspeitas e de muitas controvérsias. Era dever do novo governo renegociar, buscando que o Estado brasileiro recebesse a contrapartida devida. Até aí, tudo dentro da normalidade. O Ministério dos Transporte e a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), de fato, impuseram a reabertura do processo, obrigando a mineradora a sentar em torno de uma nova mesa de negociações. O resultado somente apareceu em dezembro do ano passado, quando a Vale annciou através de Fato Relevante ter avançado em novo acordo, obrigando-se a pagar R$ 11 bilhões aos cofres públicos, adiantando a primeira parcela de R$ 4 bilhões enquanto os detalhes finais eram costurados.
E é aí, nos detalhes, que se esconde o demônio, como diz o ditado de origem incerta.
Segundo a vazou à imprensa – a Vale, evidentemente, deve estar por trás do vazamento -, a exigência adicional do governo Lula era a entrada da mineradora em um megaprojeto do Plano de Aceleração do Crescimento (PAC2), que até agora não saiu do papel. Trata-se de um combo que incluiria a aquisição da planta de minério de ferro da Bahia Mineração (Bamin), localizada em Caetité, cidade do Alto Sertão baiano, além de duas obras fundamentais para viabilizar o projeto: a construção de um trecho da ferrovia Oeste-Leste (Fiol) e do terminal portuário em Ilhéus (Porto Sul). Tudo somado, está se falando de investimentos de R$ 30 bilhões.
A Bamin é de propriedade da Eurasian Resouces Group, do Cazaquistão e possui sede no paraíso fiscal de Luxemburgo, na centro da Europa. Há tempos tenta passar o negócio adiante, sem sucesso. Agora, estaria contando com a mão amiga do Palácio do Planalto, especula-se, com forte influência do ministro-chefe da Casa Civil, o baiano Rui Costa.
A EFC não caiu do céu. Sua construção nos últimos anos do regime militar foi indispensável para que Carajás, no Pará, fosse a potência mineral que é hoje, respondendo por mais da metade da produção anual da Vale. Na época, a ferrovia custou US$19,3 bilhões de dólares! Cada centavo dessa fortuna foi bancado pelo contribuinte brasileiro e integrou o patrimônio da Vale quando de sua privatização, em 1997, no espetáculo mais grotesco de dilapidação da riqueza nacional do século XX. Em nome da prevalência do mercado globalizado e das promessas de progresso social que jamais chegaram à porta dos muitos milhões de brasileiros famélicos, mas sócios inconscientes dessa negociata brutal, consumou-se um crime de lesa-pátria.
Nunca é demais recordar os termos da selvagem privataria promovida pelo governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB): o controle acionário da Vale foi arrematado por R$ 3,4 bilhões. Hoje, seu valor de mercado alcança R$ 256 bilhões, ou seja, 75 vezes o valor pago pelo consórcio que assumiu o comando da maior mineradora nacional e uma das maiores do mundo.
A questão fundamental não é a responsabilidade que a Vale deve ter com o desenvolvimento nacional. Apesar de privatizada, ela usufrui de uma riqueza finita e precisa, sim, colaborar com a superação das grandes mazelas que marcam a formação social do país. O estranho é que diante da oportunidade de impor a essa empresa um compromisso de investimento bilionário, o governo federal pretenda que isso beneficie o estado da Bahia (se vai ajudar os pobres do Sertão nordestino ou apenas resolver a embrulhada em que os investidores do distante Cazaquistão vieram aqui se meter, já é outra história).
O que fica cristalino é o fato dos paraenses, sempre eles, receberem mais uma bofetada, consagrando o profundo desprezo que o Estado brasileiro insiste em manter, não obstante o revezamento de partidos e de grupos no poder central. O mais inacreditável é que nenhuma liderança local tenha se atentado para essa janela de oportunidade, exigindo da Vale um investimentio real na verticalização das riquezas que ela extrai daqui, em ritimo alucinante.
Que nem o menino que vê a vida a rodar, da janela do trem, o Pará e seu povo precisam acordar. O tempo conspira contra, sem dúvida. E não haverá segunda chance quando apenas as crateras das minas mortas pontuarem nossa paisagem devastada. Será que nos acostumamos com as migalhas que a Vale oferece vez por outra, enquanto das profundezas de nosso solo sangram as riquezas que somente possuem caminho de ida?
Se não agora, quando? É esta pergunta simples que os paraenses precisam responder. E já.
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