O ponto central da sessão foi o depoimento do ex-presidente do INSS e ex-ministro do Trabalho e Previdência, José Carlos Oliveira
Brasília – A Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) do INSS de 2025 realizou nesta quinta-feira (11) sua 7ª reunião, marcada por acalorados debates sobre a responsabilidade pela explosão de fraudes em descontos associativos e pela aprovação de uma extensa lista de quebras de sigilo bancário, fiscal, telefônico e telemático de indivíduos e entidades ligadas ao Instituto Nacional do Seguro Social. O ponto central da sessão foi o depoimento do ex-presidente do INSS e ex-ministro do Trabalho e Previdência, José Carlos Oliveira, cujas respostas geraram novas controvérsias e acusações de falsidade por parte de parlamentares.
A sessão teve início com discussões sobre os procedimentos regimentais. O Presidente da CPMI, senador Carlos Viana (PODEMOS-MG), anunciou a criação de uma Coordenação de Inteligência (Coint) da Polícia Legislativa do Senado para auxiliar nas investigações das CPIs, visando reduzir a dependência de servidores externos e fortalecer a apuração de sigilos bancários, fiscais, telefônicos, telemáticos e outros documentos relevantes.
Um dos momentos mais significativos foi a votação e aprovação de uma vasta série de requerimentos de quebra de sigilo. A lista inclui dezenas de pessoas físicas e jurídicas.
Foi estabelecido que os pedidos de sigilo para entidades, associações e pessoas jurídicas relacionadas a elas considerarão o período a partir da data de celebração do Acordo de Cooperação Técnica (ACT) com o INSS até a presente data, com um marco temporal inicial de 2015. Para pessoas físicas não ligadas diretamente a entidades, o período será o especificado no requerimento, mas com o mesmo limite a partir de 2015.
Depoimento e contradições de José Carlos Oliveira
José Carlos Oliveira, que se apresentou como servidor de carreira do INSS desde 1985, ocupando diversos cargos de destaque, incluindo Superintendente, Diretor de Benefícios, Presidente do INSS e Ministro do Trabalho e Previdência, foi o principal interrogado da sessão. Ele iniciou sua fala detalhando sua trajetória e as ações de sua gestão, como a redução da fila do INSS de 2,8 milhões para 800 mil processos, a criação do guichê virtual, o acordo com a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), a concessão do auxílio-inclusão e o investimento em automação (aumento de 11% para 46% de processos automatizados). Ele também destacou a inversão do ônus da prova de vida, que passou a ser responsabilidade do Estado brasileiro.
Oliveira afirmou não ter conhecimento de irregularidades em descontos associativos durante sua gestão, alegando que soube das fraudes “praticamente com a operação da Polícia Federal”. Ele declarou que, à época, não havia reclamações da CGU (Controladoria-Geral da União) ou TCU (Tribunal de Contas da União) sobre essa modalidade, e que sua prioridade era a redução da fila de processos com pedidos de aposentadorias.

Questionado pelo Relator do colegiado, deputado Alfredo Gaspar (UNIÃO-AL) sobre as atribuições da Diretoria de Benefícios (Dirben) em relação aos ACTs, Oliveira confirmou que a instância tinha a obrigação de fiscalizar e firmar esses acordos. No entanto, ele sustentou que “o INSS não tem condição absolutamente nenhuma de fiscalizar ACTs”, devido à falta de mão de obra. Ele descreveu a assinatura dos ACTs como um “processo mecânico”, sem solenidade ou conhecimento aprofundado dos antecedentes das entidades.
Apesar de suas alegações, Oliveira foi confrontado com informações que apontam para a assinatura de ACTs com entidades como a AMBEC – Associação dos Aposentados Mutualistas para Benefícios Coletivos (que teria apenas três associados na ocasião da assinatura, e teve um aumento de receita de R$135 para R$15 milhões no ano seguinte), a AAPB (com presidente de 84 anos), e a ABRAPPS – Associação Brasileira de Aposentados e Pensionistas da Seguridade Social (que teria sido descredenciada em 2019 e “ressuscitada” em 2021 durante sua gestão). Ele negou saber que a ABRAIS havia sido descredenciada ou que as entidades apresentavam indícios de fraude, afirmando que “jamais assinaria algo que a linha técnica dissesse que não estava maduro para assinar”.
Debate sobre a legislação e desbloqueio em lotes
O debate se aprofundou na análise das mudanças legislativas que afetaram a fiscalização dos descontos associativos. Parlamentares apresentaram uma linha do tempo das Medidas Provisórias e Leis, como a MP 871 (2019), que inicialmente previa a revalidação anual dos descontos, e a Lei 13.846 (2019), que estendeu o prazo para três anos.
A MP 1.107 (2022) foi apontada como o ponto de revogação da exigência de revalidação, um “jabuti” [inclusão de um tema não relacionado ao projeto principal em um projeto de lei ou medida provisória] incluído em matéria de microcrédito digital. Oliveira negou ter tido contato com parlamentares ou autoridades governamentais para agir pela extinção da revalidação e afirmou que a Instrução Normativa (IN) 128 de sua gestão previa a revalidação, contradizendo a percepção de que a exigência havia sido totalmente retirada.
A questão do “desbloqueio em lote” de beneficiários também foi amplamente discutida. Dados apresentados por parlamentares indicaram um aumento exponencial dessas ocorrências em 2023 e 2024, em comparação com os anos anteriores, e foi levantado que o depoente havia autorizado uma inclusão em lote para a CONTAG (Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura) em 2021. Oliveira admitiu que, se de fato isso ocorreu, “realmente foi uma falha funcional”, mas negou concordar com tal prática.
Relações pessoais e acusações de falso testemunho
A credibilidade do depoente foi posta em cheque por diversas acusações. Parlamentares, como o senador Fabiano Contarato (PT-ES) e o deputado Duarte Jr. (PSB-MA), acusaram Oliveira de falso testemunho, citando ofícios do Ministério Público Federal de 2018 que o alertavam sobre descontos irregulares. Oliveira, por sua vez, disse não se recordar de tais formalidades, alegando que os modelos de convênio haviam sido centralizados em Brasília.
As relações de Oliveira com empresas e indivíduos foram esmiuçadas. Ele confirmou ser sócio da Yamada e Hatheyer Serviços Administrativos Ltda., criada, segundo ele, para fins de plano de saúde. Também foi confrontado sobre transações financeiras com José Laudenor da Silva e Cícero Marcelino de Souza Santos (assessor da CONAFER – Confederação Nacional de Agricultores Familiares e Empreendedores Familiares Rurais, negando qualquer ilegalidade e classificando as transações como “domésticas”. Parlamentares questionaram ainda sua proximidade com Carlos Lopes, presidente da CONAFER, e a evolução de arrecadação de entidades como AMBEC e CONAFER durante suas gestões.
A senadora Damares Alves (REPUBLICANOS-DF), ex-colega de ministério de Oliveira, fez um apelo emocional para que ele “entregue quem você está desconfiando”, pedindo colaboração com a CPMI. Em sua fala, a senadora destacou o trabalho de Oliveira na redução de filas e na prova de vida, mas expressou sua angústia diante das dúvidas sobre sua conduta.
Próximos passos da CPMI
Ao final da sessão, o presidente da CPMI Carlos Viana, confirmou que a próxima reunião do colegiado será em 15 de setembro, no mesmo Plenário, para a oitiva do Sr. Antônio Carlos Camilo Antunes, conhecido como “Careca do INSS”, figura central mencionada em diversas acusações de irregularidades. A expectativa é que o depoimento de Antunes traga novos elementos para a investigação das fraudes que lesaram milhões de aposentados e pensionistas no Brasil. Entretanto, essa expectativa pode ser frustrada uma vez que existe indícios de que o “Careca do INSS” estaria ingressando junto ao STF, através de pedido de seu advogado, para obter um habeas corpus preventivo que lhe garanta ficar em silêncio durante a audiência.
* Reportagem: Val-André Mutran (Brasília-DF), especial para o Portal Ver-o-Fato.
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