Dois amores, dois mundos, uma cidade para abraçar

Ele chegou a Marabá como quem atraca num porto inesperado, depois de uma travessia longa, cansativa, cheia de dúvidas. Mineiro, 42 anos, carregava na bagagem não apenas livros e roupas, mas também a memória de um casamento de quase uma década. Foram nove anos ao lado de uma mulher, tempo suficiente para erguer uma família, criar filhos, compartilhar planos e, depois, ver tudo se dissolver em silêncio. Da separação ficaram as lembranças e a responsabilidade de ser pai à distância, de acompanhar, sempre que possível, o crescimento das crianças.

Dois anos depois, o destino lhe ofereceu uma nova trilha. Não veio com a intenção de recomeçar no amor. Aceitou o desafio de lecionar na Unifesspa e acreditou que seu compromisso seria apenas com a sala de aula, com a pesquisa, com as provas e os corredores iluminados de juventude. Mas Marabá tem o dom de desarmar certezas: basta uma tarde de sol no Tocantins ou uma noite na beira do Itacaiunas para lembrar que a vida é maior do que o planejado.

Foi numa dessas salas de aula que apareceu a surpresa. Entre os estudantes atentos, havia um piauiense de 24 anos, sorriso largo, perguntas afiadas e um brilho nos olhos que atravessava a formalidade da relação acadêmica. O professor percebeu, de início, que aquela presença trazia algo novo, não previsto nos planos de aula, mas previsto pela vida. As conversas começaram tímidas, primeiro no espaço da universidade, depois em encontros ocasionais na cidade, como quem caminha por uma estrada sem saber ainda o destino.

O tempo, esse editor paciente das histórias que merecem continuar, tratou de unir os dois. O namoro começou de maneira discreta, guardado apenas entre eles e alguns amigos mais próximos. Aos poucos, virou cotidiano: mensagens de madrugada, cafés apressados entre aulas, finais de semana partilhados em longas conversas e caminhadas pelo calor de Marabá. Dois anos se passaram assim, e o futuro agora já tem contornos: o casamento, prometem, virá quando o rapaz se formar.

A diferença de idade, que poderia ser um abismo, tornou-se apenas detalhe dissolvido no calor do meio-dia amazônico. O professor, mineiro acostumado a jazz, vinho tinto e clássicos da literatura, encontrou graça no forró e no sertanejo que o aluno ouve sem parar, na cerveja gelada tomada na calçada, nos quadrinhos empilhados sobre a estante. Já o jovem piauiense aprendeu que a maturidade não é peso, mas um convite a viver sem atropelos: experimentou o gosto de um vinho bem escolhido, o silêncio de um Miles Davis no fim da noite, a leitura lenta de um romance que parece nunca acabar.

São mundos diferentes que se atraem. Ele gosta do frio da Serra do Curral; o outro se sente vivo apenas sob o sol forte que castiga a pele. Um é organizado ao extremo, agenda meticulosa; o outro esquece compromissos com a mesma facilidade com que ri. Um planeja os próximos cinco anos; o outro prefere resolver o que vai comer no almoço só quando a fome aperta. E, paradoxalmente, é nesse desencontro que se encontram: como peças de quebra-cabeça que se completam justamente onde parecem não caber.

Marabá, testemunha silenciosa dessa história, também os acolheu. Foi aqui que o mineiro aprendeu a ver beleza nas margens largas do Tocantins, nas tardes avermelhadas que pintam o céu e na vida pulsante de uma cidade que mistura passado de ferro e futuro de sonhos. E foi aqui que o piauiense descobriu que a juventude não precisa ter pressa, que o amor pode ser calmo, paciente, construído passo a passo.

Hoje, quando caminham lado a lado pela Velha Marabá, os dois sabem que carregam diferenças demais para serem confundidos, mas cumplicidade suficiente para seguirem juntos. O professor redescobre o frescor das primeiras vezes, um beijo roubado na orla, um passeio improvisado pela feira, a alegria de esperar uma mensagem que chega com emoji de coração. O aluno, por sua vez, encontra segurança na experiência do mais velho, a serenidade de quem já viveu perdas e aprendeu que o amor é escolha diária.

Dois anos depois, seguem namorando com planos bem traçados: casar-se quando a formatura chegar, abrir talvez uma casa cheia de livros e discos, mesclando a desorganização alegre da juventude com a sobriedade disciplinada da maturidade. Não têm todas as respostas, mas têm uma certeza: querem continuar juntos, assistindo ao pôr do sol da cidade.

Porque, no fim, é isso que importa. Sentar-se lado a lado no último rabisco de cimento da Velha Marabá, onde o Tocantins abraça o Itacaiunas, e ver o sol se despedir com a promessa de mais um amanhã. Amor, afinal, é essa mistura de diferenças que se encontram, de histórias que se cruzam e de vidas que insistem em recomeçar.

 

* O autor é jornalista há 29 anos e publica crônica às quintas-feiras

 

Observação: As opiniões contidas nesta coluna não refletem, necessariamente, a opinião do CORREIO DE CARAJÁS.

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