Votos de Cármen Lúcia e Zanin encerrarão julgamento do ‘Núcleo Um’ da trama golpista

Julgamento prossegue nesta quinta-feira (11), com leitura dos dois votos restantes da Primeira Turma; dosimetria das penas sai na sexta-feira (12)

Brasília – O Supremo Tribunal Federal (STF) retoma nesta quinta-feira (11), a partir das 14 hs, o julgamento dos oito réus acusados de uma tentativa de golpe de Estado após as eleições de 2022. Com o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e sete auxiliares próximos, a sessão da 1ª Turma do STF ganhou contornos dramáticos após o voto divergente do ministro Luiz Fux, que se estendeu por horas e absolveu integralmente o ex-chefe do Executivo. A expectativa recai agora sobre a ministra Cármen Lúcia, cujo voto se tornou fundamental para o desfecho do placar, podendo definir a condenação ou absolvição dos envolvidos e impactar as possibilidades de recursos.

O caso em questão é um dos mais sensíveis e acompanhados na história recente do país, envolvendo acusações graves contra figuras proeminentes da política e do governo anterior. A denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR) aponta para crimes como tentativa de golpe de Estado, abolição violenta do Estado Democrático de Direito e organização criminosa armada, com penas que, em tese, poderiam ultrapassar 40 anos.

Trama Golpista
A investigação que culminou neste julgamento teve início em 2022, logo após as eleições presidenciais, e ganhou corpo com as operações “Tempus Veritatis” e “Contragolpe”. Estas apurações, conduzidas pela Polícia Federal (PF), revelaram um complexo esquema que, segundo a acusação, visava manter o então presidente no poder à revelia do resultado eleitoral. O relatório final da PF, concluído em novembro de 2024, indiciou 37 pessoas, incluindo Jair Bolsonaro, militares de alta patente e ex-ministros de seu governo.

É importante ressaltar que, mesmo em caso de condenação, a legislação brasileira prevê que a pena só pode começar a ser cumprida após o trânsito em julgado da decisão, ou seja, quando não houver mais possibilidade de recursos, conforme entendimento consolidado pelo STF em 2019.

O caso específico de Alexandre Ramagem e a prisão de Bolsonaro
O deputado Alexandre Ramagem possui um status processual particular. Em razão de seu foro parlamentar, a 1ª Turma decidiu suspender o processo apenas quanto aos crimes patrimoniais a ele atribuídos, relacionados a fatos posteriores à sua diplomação. Assim, ele segue respondendo por organização criminosa armada, tentativa de golpe de Estado e tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito.

Adicionalmente, é fundamental esclarecer que a prisão domiciliar de Jair Bolsonaro não está ligada à ação penal (AP 2.668) julgada pela 1ª Turma. Sua determinação veio do ministro Alexandre de Moraes em outro inquérito (Inq. 4.995 e Pet 14.129), após o descumprimento de cautelares, como a difusão de mensagens que poderiam configurar coação ao STF e obstrução da Justiça. As restrições foram convertidas em prisão domiciliar integral, com medidas adicionais, e a decisão foi confirmada pela maioria da 1ª Turma em plenário virtual.

Implicações e os caminhos dos recursos
A natureza do voto divergente [oposto, em parte ao do relator] do ministro Luiz Fux tem implicações diretas sobre as possibilidades de recursos para as defesas. Caso haja condenação, os réus podem apresentar dois tipos de recursos: embargos de declaração ou embargos infringentes.

  • Embargos de Declaração: São utilizados para apontar “contradições ou trechos pouco claros da decisão”. São julgados pela própria Turma e, em regra, não alteram o resultado, embora em situações excepcionais possam ter “efeitos modificativos”.
  • Embargos Infringentes: Este recurso se tornou conhecido no julgamento do Mensalão e é permitido “quando a decisão não é unânime — ou seja, quando há votos divergentes”. O STF entende que ele se justifica “quando caracterizada divergência relevante, a ponto de gerar dúvida razoável sobre o acerto da decisão”. Para a 1ª Turma (composta por 5 ministros), os embargos infringentes podem ser admitidos se houver “dois votos pela absolvição”.

O placar do julgamento é, portanto, de extrema importância:

  • Se todos os cinco ministros condenarem, não cabem embargos infringentes.
  • Se houver apenas um voto pela absolvição (como o de Fux), também não.
  • Mas, se houver dois votos pela absolvição, abre-se caminho para esse tipo de recurso.

Nesse cenário, um segundo voto pela absolvição – que pode vir da ministra Cármen Lúcia – permitiria que as defesas prolongassem a tramitação e buscassem reverter parte das condenações, levando o caso para um reexame mais amplo ou até mesmo para o Plenário do STF, onde os 11 ministros se pronunciariam.

Cenários
A ministra Cármen Lúcia assume um papel de protagonismo decisivo nesta etapa do processo, pois seu voto tem o poder de inclinar a balança. Seja pela formação de maioria para a condenação dos réus ou pelo empate que poderia, em tese, beneficiar o ex-presidente com a abertura de embargos infringentes, e sua decisão será um divisor de águas.

O desfecho deste julgamento, e os subsequentes caminhos recursais que se abrirem, moldarão a percepção pública sobre a accountability de altos funcionários e o rigor da justiça frente a ameaças ao Estado de Direito, reforçando a mensagem de que atos que visam subverter a ordem democrática serão investigados e julgados com o devido processo legal. A nação aguarda o próximo capítulo desta história, ciente de que suas implicações reverberarão por muito tempo na paisagem política e jurídica do Brasil.

* Reportagem: Val-André Mutran (Brasília-DF), especial para o Portal Ver-o-Fato.

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