A elogiada escultora paraense se tornou uma mulher invisível nas artes do Brasil

A socióloga Ana Paula Cavalcanti Simioni deu uma incumbência aos pesquisadores do Pará, quando defendeu na Universidade de São Paulo, em 2004, sua tese de doutorado sobre as “mulheres invisíveis” da História da Arte no Brasil, aquelas artistas que desapareceram da bibliografia oficial desta área de estudos e pesquisas.

Na sua tese, Simioni dispensou atenção especial à Julieta de França, artista paraense, nascida em Belém,em 1870, e, que morreu em data imprecisa, por volta de 1951, no Rio de Janeiro.

Sendo, depois, completamente apagada do cenário das artes brasileiras.

No entanto, Julieta deteve, entre outros méritos, o do pioneirismo nas artes brasileiras, como a primeira escultora do país.

Para reconstituir a carreira dela, Simioni foi levada a se instalar em Paris.

Porque, na capital da França, Julieta permaneceu por cinco anos, como bolsista da famosa Academie Julian.

Dela fizeram parte, os dois artistas que junto com Picasso, são considerados como os mais inspiradores de novas criações no século XX: o  pintorescultor e poeta Marcel Duchamp, e, o gravuristaescultor e escultor Henri Matisse.

Julieta mereceu a bolsa de estudo por ter se tornado uma aluna excepcionalmente aplicada e talentosa do mais importante centro de ensino das artes no Brasil, a Escola Nacional de Belas Artes, do Rio de Janeiro.

Em Paris, Simioni constatou a evolução artística de Julieta, contou ela própria ao jornalista Luiz Sugimoto, ao falar de sua tese, numa entrevista publicada pelo Jornal da Unicamp, no mês de dezembro de 2004.

Simioni afirmou que os belos desenhos enviados de Paris para o Brasil por Julieta, já como aluna da afamada academia, evidenciavam seu aprimoramento técnico.

Julieta estudou com aquele que é considerado o pai da escultura moderna, August Rodin.

E se tornou a principal aluna de Emile Antoine Bourdelle, um dos mais destacados escultores da Belle Époque francesa, antecessor dos criadores de esculturas monumentais no século XX.

Neste período, Julieta criou “Le rêve de l´enfant prodigue” (“O sonho do filho pródigo”), uma escultura em gesso, que a crítica francesa veio a considerar como uma criação artística do mesmo nível de “O pensador” uma das mais famosas esculturas de bronze de Rodin.

Informações como estas sobre Julieta, Simioni reuniu em anos de pesquisa.

À certa altura, ele teve acesso aos recortes de jornais e cartas que Julieta havia guardado sobre sua carreira.

No meio deste material, a pesquisadora encontrou dados sobre a ligação de Julieta com sua família e com seu mestre no Pará.

Estes dados ela publicou nos Anais do Museu Paulista, no primeiro semestre de 2007, em um ensaio intitulado “Uma autobiografia de Julieta de França, escultora acadêmica brasileira”.

Ela identificou os pais de Julieta como o “maestro Joaquim Pinto de França e Idalina Pinto de França”.

O casal aparece na obra de Vicente Salles “A música e o tempo no Grão-Pará”, como exemplos de professores de piano que ganharam notoriedade em Belém, após a inauguração do Teatro da Paz, na segunda metade dos anos de 1800.

Simioni identificou também no ensaio o mestre com quem Julieta se iniciou no campo das Artes em Belém.

Ninguém menos que Domenico de Angelis. 

Ele o apresenta assim:

“Pintor originário de Roma, formado na Academia di San Luca, notabilizou-se pelas pinturas sacras. Por essa razão foi convidado por Dom Antônio de Macedo Costa, bispo do Pará, para participar do remodelamento da Catedral de Belém.

Veio para o Brasil com Capranesi (Giovanni Capranesi, decorador e pintor italiano), seu professor e companheiro de ateliê, desenvolvendo muitos trabalhos, como o teto da sala de espetáculos do Teatro da Paz.

A partir de 1886, por conta de muitas encomendas recebidas, De Angelis transferiu-se para Manaus, para onde fora chamado a trabalhar na Igreja de São Sebastião.

A seguir, realizou as pinturas decorativas para o Teatro Amazonas. Em 1900, já doente, retornou a Itália, morrendo em seguida”.

A pesquisadora encontrou até uma afetuosa carta que Domenico de Angelis enviou, no dia 10 de setembro de 1897, de Belém para Julieta, já no Rio de Janeiro.

Na carta, Domenico se refere a Rodolfo Bernadelli, o diretor da Escola Nacional de Belas Artes, onde ela estudava, naquele período, e, à bolsa de estudos obtido por Julieta.

Diz a carta de Domenico de Angelis:

“Exma. Sra. Julieta.

Por que não me escreveu mais?

Tive medo de que tivesse deixado de aplicar-se à bela arte da pintura.

Felizmente um amigo do Prof. Bernardelli que me trouxe a lembrança dele, disse-me que a Senhora continua sempre muito bem e que Bernardelli tem garantido que dona Julieta tivera o Prêmio de Viagem.

Aceite dona Julieta os meus cumprimentos, um aperto sincero de mão e não te esqueças do teu velho Professor Domenico de Angelis”.

À certa altura de sua pesquisa, Simioni voltou seus esforços na direção da identificação de um irmão de Julieta.

Ela descobriu que ele teria recepcionado a escultora “honrosamente” em Belém, em 1921, quando ela retornou à cidade, depois de quinze anos de afastamento.

Julieta tinha, então, a intenção de instalar um ateliê, em Belém.

Para, depois, encerrar definitivamente sua carreira.

Simioni conseguiu identificar este parente da artista como o deputado Artur França.

Possivelmente, se trata do médico que ajudou a criar a Sociedade Médico-Cirúrgica do Pará no início de julho de 1914.

E que participou da primeira diretoria da instituição.

Pois, um médico com este nome é mencionado por Aristóteles de Miranda e José de Abreu num artigo sobre a criação daquela entidade, publicado no site da Revista Pan-Amazônica da Saúde.

Este profissional da saúde era alguém que tinha destaque social.

Isto fica claro num trecho do artigo publicado por Franciane Lacerda, na Revista Brasileira de História, em 2006.

O artigo trata de migrantes cearenses na Amazônia, no período 1889-1916.

Nele, Franciane aborda a questão relacionada a um estigma negativo existente naquela época relacionado ao clima da Amazônia.

E afirma que Arthur França procurou “restabelecer a verdade, tão impatrioticamente deturpada sobre as excelências do clima amazônico”.

Franciane ao fazer esta afirmação reproduziu um trecho de uma matéria de primeira página publicada pela Folha do Norte, em março de 1915.

Na matéria, há a transcrição da conferência que Arthur França proferira na Sociedade Médico-Cirúrgica do Pará. 

(Ilustração: O trabalho de Julieta colocado no mesmo nível de O Pensador, de Rodin)

The Acclaimed Sculptor from Pará Who Became an Invisible Woman in Brazilian Art

Sociologist Ana Paula Cavalcanti Simioni gave researchers from Pará a task when, in 2004, she defended her doctoral thesis at the University of São Paulo on the “invisible women” of Art History in Brazil – those artists who disappeared from the official bibliography of this field of study and research.

In her thesis, Simioni devoted special attention to Julieta de França, an artist from Pará, born in Belém in 1870, who died at an uncertain date, around 1951, in Rio de Janeiro.

Afterward, she was completely erased from the Brazilian art scene.

Yet Julieta held, among other merits, the pioneering role of being the first female sculptor in Brazil.
To reconstruct her career, Simioni had to move to Paris.

For Julieta had spent five years there, as a scholarship student at the renowned Académie Julian.

That institution included two artists who, along with Picasso, are considered among the most inspiring creators of the 20th century: painter, sculptor, and poet Marcel Duchamp, and printmaker and sculptor Henri Matisse.

Julieta earned her scholarship by becoming an exceptionally dedicated and talented student at Brazil’s most important art school at the time, the Escola Nacional de Belas Artes in Rio de Janeiro.

In Paris, Simioni confirmed Julieta’s artistic evolution, as she herself told journalist Luiz Sugimoto in an interview published in Jornal da Unicamp in December 2004.

Simioni noted that the beautiful drawings Julieta sent from Paris to Brazil, already as a student of the famous academy, revealed her technical refinement.

Julieta studied with the man regarded as the father of modern sculpture, Auguste Rodin.

And she became the main pupil of Émile Antoine Bourdelle, one of the most distinguished sculptors of the French Belle Époque, and a forerunner of monumental sculpture in the 20th century.

During this period, Julieta created Le rêve de l’enfant prodigue (The Dream of the Prodigal Son), a plaster sculpture that French critics considered to be on the same artistic level as The Thinker, one of Rodin’s most famous bronze works.

Details such as these about Julieta were gathered by Simioni over years of research.
At one point, she gained access to newspaper clippings and letters Julieta had kept about her career.
Within this material, the researcher found information on Julieta’s family ties and her master in Pará.

She published these findings in the Annals of the Museu Paulista in the first semester of 2007, in an essay entitled An Autobiography of Julieta de França, Academic Brazilian Sculptor.
She identified Julieta’s parents as “maestro Joaquim Pinto de França and Idalina Pinto de França.”

The couple appears in Vicente Salles’ book Music and Time in Grão-Pará, as examples of piano teachers who gained notoriety in Belém after the inauguration of the Teatro da Paz in the second half of the 19th century.

Simioni also identified Julieta’s first art teacher in Belém: none other than Domenico de Angelis.
She presents him as follows:

“A painter from Rome, trained at the Accademia di San Luca, he became renowned for his sacred paintings. For this reason, he was invited by Bishop Dom Antônio de Macedo Costa of Pará to take part in the remodeling of Belém’s Cathedral.

He came to Brazil with Capranesi (Giovanni Capranesi, Italian decorator and painter), his teacher and studio companion, and carried out many works, such as the ceiling of the Teatro da Paz auditorium.

From 1886 onward, due to numerous commissions, De Angelis moved to Manaus, where he was called to work at the Church of Saint Sebastian.

He later created decorative paintings for the Amazon Theatre. In 1900, already ill, he returned to Italy, where he died soon after.”

The researcher even found an affectionate letter Domenico de Angelis sent on September 10, 1897, from Belém to Julieta, then living in Rio de Janeiro.

In the letter, Domenico refers to Rodolfo Bernardelli, director of the Escola Nacional de Belas Artes, where Julieta was studying at the time, and to the scholarship she had obtained.
It reads:

“Most Esteemed Ms. Julieta,

Why have you not written to me anymore?

I feared you might have abandoned your dedication to the fine art of painting.
Fortunately, a friend of Professor Bernardelli, who brought me his regards, told me that you continue doing very well, and that Bernardelli has assured him that Ms. Julieta had won the Travel Prize.
Accept, Ms. Julieta, my congratulations, a sincere handshake, and do not forget your old teacher, Domenico de Angelis.”

At a certain point in her research, Simioni also focused on identifying one of Julieta’s brothers.
She discovered that he had “honorably” received the sculptor in Belém in 1921, when she returned to the city after fifteen years away.

At that time, Julieta intended to open a studio in Belém – only to soon afterward bring her career to a definitive close.

Simioni identified this relative as deputy Artur França.

He was possibly the physician who helped found the Sociedade Médico-Cirúrgica do Pará in early July 1914, and who served on its first board of directors.

A doctor by that name is mentioned by Aristóteles de Miranda and José de Abreu in an article on the founding of the institution, published on the website of the Revista Pan-Amazônica da Saúde.
This medical professional clearly held social prominence.

That is evident in an article by Franciane Lacerda, published in the Revista Brasileira de História in 2006.

Her article addresses Ceará migrants in the Amazon between 1889 and 1916.

There, Franciane discusses the negative stigma then associated with the Amazon climate.

She states that Arthur França sought to “restore the truth, so unpatriotically distorted, about the excellence of the Amazonian climate.”

Franciane’s statement quotes a passage from a front-page article published by Folha do Norte in March 1915, which transcribed a lecture Arthur França gave at the Sociedade Médico-Cirúrgica do Pará.

(Illustration: Julieta’s work placed on the same level as Rodin’s The Thinker)

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