Produtos tropicais podem escapar de tarifaço dos EUA, diz secretário de Trump

Café, manga, cacau, uva e castanha-do-Pará sem casca não cultivados em solo norte-americano estão no radar para isenção. O Brasil, maior fornecedor de café, ainda não foi mencionado nas negociações

Brasília – Em meio à escalada tarifária promovida pelos Estados Unidos, produtos como manga, cacau, uva, castanha-do-Pará sem casca, abacaxi e coco podem ser poupados do tarifaço do presidente Donald Trump. A sinalização foi feita pelo secretário de Comércio norte-americano, Howard Lutnick, em entrevista à CNBC.

Segundo ele, produtos classificados como “recursos naturais não disponíveis nos EUA” poderiam entrar no país sem sobretaxa. Lutnick, porém, não citou especificamente o Brasil ou qualquer país exportador que seria beneficiado com tarifa zero. Com a condenação pelo STF, nesta semana, do -ex-presidente Jair Bolsonaro, as negociações podem desandar de vez.

Segundo dados do setor, o Brasil responde por cerca de um terço do café consumido nos EUA, com mais de 8 milhões de sacas exportadas anualmente. A aplicação de uma tarifa de 50% poderia inviabilizar esse comércio, afetando desde produtores até a indústria de torrefação americana e a rede de Fast-food especializada em café, a gigante Starbucks, uma empresa multinacional norte-americana, com a maior cadeia de cafeterias do mundo. Tem sua sede na cidade de Seattle, estado de Washington.

O secretário também deixou claro que possíveis isenções viriam com contrapartidas: países beneficiados teriam de abrir seus mercados para produtos americanos, especialmente a soja. “Por que vocês esperam nos vender café e cacau e não nos deixam vender soja? Parece injusto. Vamos tornar isso justo”, afirmou.

A expectativa agora do vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB), que está a frente das negociações do tarifaço e mantém contato direto com o secretário americano, é por um posicionamento claro do governo dos EUA sobre quais países estarão na lista de exceções e em que condições.

Carne continua com 50% de sobretaxa
A mesma “sorte” não ocorre com a carne brasileira. Continua vigente o tarifaço norte-americano que sobretaxa o produto nacional em 50%.

Os produtores brasileiros estão recorrendo a duas estratégias. A primeira é o expediente de exportar para os países vizinhos do Mercosul e essa carne entra no mercado norte-americano com tarifas mais baixas, num esquema conhecido como triangulação. As exportações de carne de países como o Uruguai, que sempre tiveram médias sem grande expressão, coincidentemente, após a manobra brasileira para se esquivar do tarifaço, explodiram.

A segunda estratégia é a busca de novos mercados, o que sempre deveria estar no alvo dos produtores, mas não era o que acontecia até o tarifaço de Trump.

País asiático recebeu 27 toneladas do corte patinho. Foto: MAPA

Novos mercados e receita de hambúrguer
O Vietnã recebeu, nesta semana, o primeiro embarque de carne bovina brasileira, uma carga de 27 toneladas do corte patinho — curiosamente — o mais utilizado pelos norte-americanos para a composição do blend (mistura), para a composição da receita do hambúrguer.

O patinho, um corte magro (80%), é misturado com o peito bovino (20%), um corte mais gorduroso, para dar “liga” no disco de carne da receita tradicional do indispensável Hambúrguer, o prato predileto dos ianques.

A remessa para o Vietnã, marca o início efetivo das exportações para o país asiático, após a abertura de mercado concluída em março deste ano.

O anúncio da abertura foi feito em 28 de março pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, após encontros oficiais com a liderança vietnamita, incluindo o primeiro-ministro Phạm Minh Chính. “Depois de muitos anos de tentativas, o primeiro-ministro anunciou que finalmente iria comprar a carne brasileira. É uma notícia extraordinária e acho que é muito importante para o Vietnã e para o Brasil”, declarou o presidente Lula na ocasião.

O presidente também destacou que a aproximação abre espaço para investimentos em frigoríficos brasileiros no Vietnã, o que pode transformar o país em uma plataforma de exportação para todo o Sudeste Asiático.

Em 2024, o Vietnã importou US$ 3,9 bilhões em produtos agropecuários do Brasil, com destaque para cereais, farinhas, fibras têxteis e o complexo soja. Com uma população de 101 milhões de habitantes, o 14º país mais populoso do mundo representa um mercado em expansão para o agronegócio brasileiro.

O ministro da Agricultura e Pecuária, Carlos Fávaro, avaliou o embarque como uma conquista para a agropecuária brasileira. “Cada novo destino alcançado representa mais renda para o produtor rural, mais empregos no Brasil e a certeza de que a nossa produção encontra espaço nas mesas de milhões de pessoas ao redor do mundo”, disse.

O secretário de Comércio e Relações Internacionais do Mapa, Luís Rua, acrescentou que o resultado é fruto de um trabalho conjunto. “O primeiro embarque materializa um esforço que envolveu governo e setor privado. O acesso ao mercado vietnamita se soma às mais de 430 aberturas já alcançadas nesta gestão, amplia a presença do Brasil no mercado asiático, fortalece nossa balança comercial e diversifica destinos”.

A cerimônia que marcou a chegada da carga ao país contou com a presença do adido agrícola do Brasil no Vietnã, Juliano Vieira, que vem participando ativamente das negociações e apoiando a aproximação entre os setores privados dos dois países. A atuação dos adidos agrícolas tem sido decisiva na expansão internacional do agro brasileiro: mais de dois terços das aberturas de mercado ocorreram em postos que contam com adidância agrícola.

Produção recorde
Em 2024, a pecuária brasileira registrou produção recorde. A carne bovina alcançou 10,9 milhões de toneladas, enquanto o total das carnes bovina, suína e de aves somou mais de 31 milhões de toneladas, consolidando o Brasil como um dos principais fornecedores globais de proteínas.

Com o início das exportações ao Vietnã, os dois países aprofundam uma relação comercial que já movimenta bilhões de dólares em produtos agropecuários. A expectativa é que o fluxo de embarques se intensifique nos próximos meses, ampliando a presença do Brasil no Sudeste Asiático e consolidando a cooperação técnica e sanitária entre os dois países.

Boi gordo sumiu do pasto nos Estados Unidos
Enquanto isso, para azar dos norte-americanos, falta boi gordo nos pastos dos Estados Unidos. O rebanho bovino dos EUA caiu para seu menor nível desde 1951, segundo dados levantados pelo USDA (departamento de agricultura do país) desde 1º de janeiro de 2024.

Um quinto ano de liquidação do rebanho norte-americano significou que o total de bovinos/bezerros no primeiro dia útil deste ano foi de 87,157 milhões de cabeças, queda 1,684 milhão de cabeças (de 1,9%) em relação ao ano anterior.

Porém, há uma novidade importante em relação ao tema acima, revelada pelo analista do mercado norte-americano Steve Kay em coluna publicada no portal australiano beefcentral.com.

Segundo ele, a redução de oferta de animais terminados nos EUA fez os processadores de carne bovina perder dinheiro na maioria das semanas deste ano. Com isso, diz Kay, várias plantas frigoríficas do país podem fechar as portas se o rebanho bovino não começar a crescer até o ano que vem.

“Ainda não há sinais de que a reconstrução do rebanho esteja prestes a começar”, destaca ele, que acrescenta: “A probabilidade de números ainda menores nos próximos 18 meses têm várias consequências, quase todas negativas”.

Kay também prevê tempos difíceis para os pecuaristas norte-americanos. “Os fazendeiros dos EUA continuarão a receber preços recordes ou quase recordes por seus bezerros e novilhos. Mas eles não farão grandes margens, pois seus custos operacionais permanecerão extremamente altos”, destaca.

Ainda em relação à indústria de processamento de carne, o analista diz que também há probabilidade de colapso nos projetos existente de construções de novas plantas frigoríficas nos EUA. “Como essas unidades obterão os seus animais?”, indaga Kay.

Pelo menos oito novas plantas estão em andamento, com uma capacidade de abate declarada de mais de 9.000 cabeças por dia, informa o analista. “Tenho minhas dúvidas de que grande parte dessa nova capacidade proposta se concretizará”, reforça.

Neste momento, a indústria de carne bovina norte-americana já operara com capacidade excedente, observa Kay. Segundo os seus cálculos, as 76 maiores unidades de carne bovina dos EUA têm uma capacidade combinada de 135.330 cabeças por dia. No entanto, diz ele, a indústria dos EUA raramente viu totais de abate diários neste ano acima de 125.000 cabeças nessas mesmas plantas.

“Em outras palavras, a utilização da capacidade de processamento está apenas um pouco acima de 90%, e isso é apenas em uma base de cinco dias da semana; os abates de sábado são quase inexistentes”, relata.

US$ 110 milhões de dólares em apoio
Enquanto isso, diz Kay em coluna, o USDA continua a prometer milhões de dólares em subsídios federais para pequenos e independentes processadores de carne. “O objetivo é ajudar as empresas a expandir suas capacidades em um esforço para aumentar a competição na indústria de carne e dar mais opções aos fazendeiros”.

As últimas promessas do USDA, conta o analista, “totalizam US$ 110 milhões de subsídios, variando entre um desembolso de US$ 123.000 para um pequeno açougue personalizado no estado de Washington e um subsídio de US$ 10 milhões para uma expansão de uma nova fábrica de carne bovina de propriedade do produtor no Texas, que planeja empregar 1.500 pessoas”.

Em seu texto, Kay cita declarações do secretário de Agricultura, Tom Vilsack, para justificar o apoio federal: “Os subsídios concedidos a mais de 50 processadores de carne e aves dos EUA têm como objetivo ajudar a aliviar a consolidação do setor ao longo de décadas, que às vezes diminuiu os lucros dos agricultores e aumentou os preços para os consumidores”.

* Reportagem: Val-André Mutran (Brasília-DF), especial para o Portal Ver-o-Fato.

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