Lula e Trump travam duelo de narrativas sobre soberania na abertura da ONU

Presidentes do Brasil e dos EUA vão disputar palanque em Nova York com discursos antagônicos sobre soberania, liberdade de expressão e papel da ONU

Por Sandra Venancio – Foto Ricardo Stuckert/PR

Quando Luiz Inácio Lula da Silva subir ao púlpito da Assembleia Geral da ONU, no próximo dia 23 de setembro, sua principal mensagem será clara: o Brasil rejeita interferências externas e defenderá a soberania como eixo central da política externa. Minutos depois, no mesmo púlpito, será a vez de Donald Trump. Também ele falará em soberania — mas para propor uma visão oposta, marcada pela rejeição ao multilateralismo e ao que sua gestão chama de “globalismo”.

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Diplomatas descrevem o momento como um “duelo diplomático”. Embora a abertura da cúpula das Nações Unidas costume ser palco de disputas, a edição deste ano é considerada “especialmente difícil”, dado o contexto de crise política vivido pelos dois líderes. A tensão é tamanha que o serviço de protocolo da ONU já orientou as equipes a evitar qualquer encontro direto entre Lula e Trump nos bastidores.

No discurso brasileiro, a defesa da soberania estará associada à proteção do direito internacional, da autodeterminação dos povos e da preservação das instituições multilaterais. O Planalto aposta em ecoar vozes como a da China, que recentemente lançou uma proposta global em que a soberania aparece como pilar da ordem internacional, e também de países do Sul Global, como a África do Sul. Mesmo entre europeus, há apreensão com as políticas unilaterais de Washington.

Trump, por sua vez, deve enfatizar uma noção de soberania que nega o poder de instâncias multilaterais sobre decisões nacionais. Para a Casa Branca, trata-se da recusa em aceitar imposições de órgãos como ONU, OMS ou cortes internacionais. Dorothy Shea, embaixadora dos EUA na ONU, deixou claro: “Os Estados Unidos acreditam firmemente que a soberania das nações é a base do sistema internacional. A ONU deve respeitar a independência de seus Estados-membros e evitar impor políticas que impeçam o crescimento econômico ou a liberdade de decisão.”

Outro ponto de atrito é a liberdade de expressão. Washington promete se apresentar como defensor incondicional desse direito, denunciando governos que, em sua visão, usam censura, bloqueio da internet ou restrições políticas. “Essas liberdades são a força vital de uma sociedade livre e aberta”, disse Shea.

O contraste com a posição de Lula é evidente. O governo brasileiro defende regulamentações para combater desinformação e o discurso de ódio, políticas que Trump e seus aliados classificam como “censura”.

Assim, diante de um auditório global, a ONU será palco de duas leituras de mundo irreconciliáveis. De um lado, a soberania entendida como respeito ao direito internacional e cooperação entre Estados. De outro, a soberania como independência absoluta frente a qualquer organismo multilateral.