Quando estamos na Universidade, dar aula parece tão fácil. Revisar os conceitos, refletir sobre os metodos, construir um plano de aula alinhado ao contexto da turma, o improviso e a mágica de ensinar, norteando o futuro do Brasil. Na prática, ainda que seja nobre e encantador, é bem difícil, isto é, pra quem realmente se preocupa com aqueles pequenos seres cheios de energia.
É complexo cuidar do seu filho? Imagina 20 ou 30, piores ou melhores, longe dos pais, próximos de seus pares, no calor quente úmido, 12 anos e muitas gargalhadas para viver. O sexto ano do ensino fundamental obriga todo professor a refletir sobre o que quer da vida. Realmente vale a pena ficar rouco assim para conseguir, no melhor dos cenários, dar 10 minutos ininterruptos de aula?
No sexto ano, eles estão na transição da criança para o adolescente. Ficam ofendidos serem chamados de neném, mas ainda correm e gritam como se fossem. É essa a vibe.
O plano vira um mero documento burocrático. Você prepara a aula já prevendo o caos. São 20 minutos tentando pedir silêncio, quando consegue, a Mariazinha quer beber água. Quando ela vai, o Enzinho diz que o Fernandinho pegou a borracha dele e ainda não devolveu. Carlinhos se mete e diz que Enzinho é metido. Nesse momento, uma bola de papel anônima bate na cabeça de Ricardinho que, por sua vez, pega a bolinha e joga no Renatinho, que não tinha nada a ver e promete socar o colega.
Consigo acalmar os ânimos, mas lembro que Mariazinha ainda não voltou. Vou atrás dela, mas ao invés de encontrá-la no bebedouro, ela está na porta de outra sala dando língua para crianças menores. Volto pra sala, que já está o caos, todo mundo em pé. 5 minutos depois consigo o silêncio. Aproveito para recomeçar o assunto, mas 30 segundos depois, Ricardinho e Renatinho pedem para ir ao banheiro, em seguida disputam: “eu pedi primeiro”. Briga.
Muito se discute sobre o contexto da falta de atenção dos alunos durante a aula. Alguns sugerem que devemos realizar a gameficação da sala de aula, ou seja, envolver os alunos em processos de ensino-aprendizagem ativos, que os envolva e os engaje a partir de jogos, sequências didáticas interativas e tecnológicas.
Realmente, é preciso ter essa expertise, mas quem sugere isso como salvação da pátria, geralmente nunca entrou em sala de aula na educação básica. Parte dessas pessoas ainda condena o uso do livro didático ou o texto no quadro. Se eles soubessem que as vezes esses são os únicos recursos das escolas, que muitos alunos só conseguem se concentrar com essas ferramentas. Tudo é mais fácil sem saber da complexidade da prática.
Quando finalmente se consegue dar aula, após a voz já estar rouca como Willian Bonner, um aluno pergunta se o texto do quadro é pra copiar. Nesse momento você se pergunta o que uma pessoa má responderia. Mas como não sou do mal, respondo monossilábico, sorrindo e afetuoso.
O afeto é o maior poder do professor. Até o aluno mais sacana tenta se esforçar pra ser menos barulhento. Mais que isso, tem quem brigue com os colegas por silêncio, pois o professor legal quer falar.
É bom ser amado por alunos. Eles contam fofocas, perguntam da nossa vida, nos trazem presentes – muitos até inusitados – e nos abraçam e celebram nossa chegada. Ainda que usem isso, as vezes, para solicitar sair mais cedo ou ter aula com filmes, é generoso.
Mas retomando a aula, vamos fazer a atividade avaliativa. Questão 1 é…baaaaaaaammm. Gritos eufóricos e corrida/briga. Bateu o sinal, recreio, fim de aula, que aula? Aquela tentativa, o gerenciamento de crise, a ONU entre Israel e Palestina. Semana que vem eu tento ser mais tiktoker ou ditador, amável não tá dando.
Entre os professores existe a brincadeira de que nas próximas greves haverá a pauta de pedir direito de insalubridade pra quem der aula no sexto ano. Mas uma coisa é certa, quem já deu aula nessa série, tem seu lugar no céu. Estou despreocupado. Amém.
“Posso beber água?”
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