Fim do voto secreto, foro para Partidos mantido: As controvérsias da ‘PEC da Blindagem’ na Câmara

Deputados mantém “blindagem” para políticos e líderes partidários, enquanto revoga sigilo que protegeria o processo de responsabilização; PSOL disse que vai ao STF

Brasília – A aprovação em dois turnos da controversa Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 3/2021, denominada “PEC da Blindagem”, na madrugada desta quarta-feira (17), no Plenário da Câmara dos Deputados, enfrentou forte oposição de partidos da base de apoio ao governo do PT e do NOVO. O PSOL que, fiel à sua estratégia de judicialização de pautas legislativas, anunciou que articula medidas para contestar a eventual promulgação da matéria, pavimentando o caminho para mais um embate no Supremo Tribunal Federal (STF).

A principal fonte de discórdia reside na questionável alteração do regime de presença no plenário durante a sessão de votação. Inicialmente, o registro da presença dos deputados era efetuado de modo presencial, por biometria, em conformidade com o ato da mesa diretora de fevereiro deste ano. Contudo, após uma votação crucial para retirar a PEC de pauta – momento em que um quórum de 411 deputados resultou em apenas 266 votos favoráveis à manutenção da matéria, número insuficiente para sua aprovação que demanda o apoio de 308 parlamentares – o regime de presença foi, de maneira abrupta e inesperada, modificado para o formato virtual. Com essa alteração procedimental, na votação subsequente, que tratava de um requerimento de adiamento, o quórum subiu significativamente para 462 deputados, uma mudança que, convenientemente, abriu caminho para a consolidação dos votos necessários à aprovação da PEC.

A sessão foi marcada por intensos debates e reviravoltas. O texto principal obteve 344 votos a favor e 133 contra. No entanto, uma das previsões mais controversas, a do voto secreto para a autorização de investigações contra parlamentares, foi derrubada. Além disso, a proposta amplia o foro especial, estendendo-o aos presidentes de partidos políticos com representação no Congresso.

A sessão, presidida por Hugo Motta (Republicanos-PB), enfrentou um quórum baixo após a meia-noite, fator que, segundo o presidente da Câmara, contribuiu para a derrota do voto secreto. A modificação que excluiu a votação sigilosa foi apoiada por deputados de esquerda e do partido Novo, com 296 votos a favor de sua manutenção e 174 contrários, mas não atingiu a maioria qualificada de 308 votos necessária para permanecer no texto original.

O objetivo central da PEC é conceder ao Congresso o poder de barrar processos criminais no Supremo Tribunal Federal (STF) contra deputados e senadores, exigindo uma licença prévia do Legislativo. Essa autorização deverá ser deliberada pela respectiva Casa em até 90 dias a partir do recebimento da ordem do Supremo. A proposta também estende o foro especial para os presidentes de partidos políticos com representação no Congresso, independentemente de possuírem mandato parlamentar, uma medida aprovada com 317 votos a favor e 156 contrários.

Debates acirrados
Os debates foram caracterizados por posicionamentos antagônicos e acusações mútuas entre as bancadas. O “Centrão” patrocinou a PEC, argumentando que a medida busca fortalecer o Parlamento diante do Poder Judiciário, que, segundo parlamentares como Gustavo Gayer (PL-GO) e Sargento Gonçalves (PL-RN), estaria “perseguindo” representantes eleitos e teria se tornado uma “ameaça à democracia”.

Gustavo Gayer afirmou que a “blindagem já existe” e protege a esquerda, enquanto Sargento Gonçalves criticou o Judiciário e ministros do STF por, em sua visão, “atacarem a democracia” e “realizarem uma verdadeira perseguição a opositores políticos”.

Em contraste, partidos de esquerda, como PT, PSOL, PC do B, Rede, e o partido Novo, que embora seja da oposição, se opuseram-se à PEC. Deputados como Kim Kataguiri (UNIÃO-SP) e Túlio Gadêlha (REDE-PE) argumentaram que o texto não resolveria os abusos do STF e, ao invés disso, serviria como um “salvo-conduto para o Parlamentar que cometer crime de desviar verba pública, que cometer crime de homicídio”.

Túlio Gadêlha chegou a alertar que a PEC incentivaria o “crime organizado a entrar nesta Casa”.

Os deputados Lindbergh Farias (PT-RJ) e Erika Kokay (PT-DF) do PT, e Ivan Valente (PSOL-SP) e Chico Alencar (PSOL-RJ) do PSOL, criticaram a PEC por considerá-la uma “blindagem” e uma “vergonha”, afirmando que ela retira a função do Poder Judiciário e coloca parlamentares acima da lei.

Chico Alencar classificou a proposta como um “decálogo dos desmandos”, mencionando a legislação em causa própria, a consolidação de uma “casta intocável” e o convite a criminosos para a política. Ele também acusou a tramitação de atropelar o processo legislativo, sem discussão em Comissão Especial.

Controvérsia sobre a Liderança da Minoria e outras pautas
A sessão foi permeada por uma intensa discussão sobre a possível indicação do deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) para a liderança da Minoria, enquanto estaria ausente do país.

AS deputadas Talíria Petrone (PSOL-RJ) e Maria do Rosário (PT-RS) levantaram questões de ordem, questionando a legalidade e a moralidade de tal indicação, citando a ausência do deputado e a existência de processos tramitando no Conselho de Ética contra o deputado.

Deputados do PL, por sua vez, como o deputado Sargento Gonçalves (PL-PB), defenderam Eduardo Bolsonaro, chamando-o de “herói nacional” que estaria prestando “um grande serviço à Nação brasileira” no exterior, sendo vaiado pelos governistas.

Paralelamente, houve um embate sobre a “quebra de interstício” – a dispensa do prazo de cinco sessões para a votação em segundo turno da PEC. O requerimento foi aprovado por 332 votos a favor e 117 contra, acelerando a tramitação. Opositores criticaram a pressa, argumentando que impedia o amadurecimento do debate e o escrutínio público.

No meio dos debates sobre a PEC, houve momentos em que parlamentares desviaram para outras pautas. Deputados da oposição criticaram o governo Lula, mencionando temas como inflação, a fila do osso, e a situação dos Correios.Em contrapartida, parlamentares da base governista defenderam a gestão econômica, destacando a redução da inflação, o crescimento do PIB e dos programas sociais, acusado pelos oposicionistas de compra de votos descarado do governo petista, com a leniência do Tribunal Superior Eleitoral.

A reportagem também registrou menções à saúde do ex-presidente Jair Bolsonaro, com o deputado Evair Vieira de Melo (PP-ES) informando sobre sua internação e atribuindo seu quadro a uma “perseguição” do STF.

A questão da anistia para os envolvidos nos eventos de 8 de janeiro também foi um ponto recorrente, com o governo liberando sua bancada para a votação da PEC em troca de apoio para barrar a anistia ampla, mas prometendo uma “saída de meio termo” com redução das penas.

Tramitação no Senado
Com a aprovação em segundo turno na Câmara, a PEC segue para o Senado, onde também precisará ser aprovada em dois turnos para ser promulgada. Especialistas, afirmam que, se promulgada, a PEC “sustará os processos em andamento assim que for promulgada, já que emendas constitucionais têm efeito imediato”. No entanto, a suspensão na prática será definida pelo STF, que poderá ser provocado a se pronunciar sobre a aplicabilidade da emenda e, inclusive, considerá-la inconstitucional.

O senador Otto Alencar, presidente da Comissão de Constituição e Justiça do Senado, declarou que a PEC “não passa na CCJ de jeito nenhum”, indicando que o texto pode enfrentar resistência na próxima etapa.

Derrota do voto secreto
A derrota do voto secreto representa um ponto de transparência importante para a oposição à PEC, enquanto a ampliação do foro especial para presidentes de partidos sinaliza um aumento das prerrogativas para figuras políticas. A sessão ilustrou a profunda polarização e as complexas negociações nos bastidores do Congresso Nacional, expondo uma fratura desde o início do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva: o governo não tem votos para aprovar a sua agenda.

* Reportagem: Val-André Mutran (Brasília-DF), especial para o Portal Ver-o-Fato.

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