MPF cobra fim da mineração que destrói rio Tapajós e ameaça povos indígenas

O Ministério Público Federal (MPF) emitiu uma recomendação contundente à Agência Nacional de Mineração (ANM), à Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), ao governo do Pará e às prefeituras de Itaituba e Jacareacanga para que sejam suspensas e anuladas, de forma imediata, todas as licenças e títulos minerários voltados à exploração de ouro no leito do rio Tapajós. A medida atinge áreas próximas às Terras Indígenas Munduruku, Sai-Cinza, Sawré Muybu e Sawré Bap’in — territórios hoje ameaçados pela expansão descontrolada do garimpo mecanizado.

Segundo o MPF, a atividade garimpeira na região opera em um cenário de irregularidades múltiplas e impactos ambientais severos. O uso de balsas e dragas escariantes degrada a qualidade da água, acelera o assoreamento dos rios e contamina a bacia com mercúrio, um metal altamente tóxico. Para as comunidades indígenas e ribeirinhas, isso significa a perda do acesso à água potável, da segurança alimentar e da saúde.

Estudos recentes confirmam a gravidade: na Terra Indígena Sawré Muybu, 49% das crianças e 57,9% da população geral apresentaram índices de mercúrio acima do limite de segurança da Organização Mundial da Saúde. A denúncia escancara uma tragédia que compromete não apenas o presente, mas também o futuro de gerações inteiras.

A situação crítica é agravada pela estiagem severa que atingiu a região nos anos de 2023 e 2024, deixando os Munduruku ainda mais vulneráveis. A escassez de água obrigou a Justiça a determinar que o Distrito Sanitário Especial Indígena (Dsei) Tapajós fornecesse água potável aos indígenas, medida emergencial que expôs a precariedade das condições de sobrevivência.

Provas irrefutáveis

O MPF anexou imagens aéreas feitas pelo Greenpeace, que registraram uma draga em atividade a apenas 1,6 km da Terra Indígena Sawré Muybu, liberando uma grande pluma de sedimentos. Imagens de satélite da Polícia Federal, via plataforma Brasil Mais, também comprovaram a operação constante de dragas, revelando uma poluição contínua no rio Tapajós.

Direitos ignorados e omissão da Funai

Um dos pontos centrais da recomendação é a ausência de Consulta Prévia, Livre e Informada (CPLI) ao povo Munduruku, direito garantido pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho. O MPF alerta que essa falha torna nulas todas as Permissões de Lavra Garimpeira concedidas.

A Funai, que deveria atuar como defensora dos povos indígenas, foi omissa em quase todos os processos. Embora a legislação determine presunção de impacto em atividades minerárias localizadas até 10 km de terras indígenas, o órgão interveio em apenas 2 de 42 processos abertos pela Secretaria de Meio Ambiente do Pará (Semas).

Operações ilegais com títulos vencidos

A recomendação expôs ainda um quadro de ilegalidade crônica: diversas PLGs na região estão com títulos e licenças vencidos, mas seguem operando normalmente. Entre junho e agosto de 2025, a plataforma Brasil Mais detectou mais de 160 alertas de dragas em funcionamento em áreas sem autorização válida. Em julho de 2025, inclusive, houve recolhimento de royalties minerais (Cfem) sobre ouro extraído ilegalmente de um título expirado desde janeiro do mesmo ano.

Desrespeito à Corte Interamericana

Para o MPF, o Estado brasileiro também está descumprindo medidas provisórias da Corte Interamericana de Direitos Humanos, que em 2023 determinou ações urgentes para proteger povos indígenas contra os efeitos da contaminação por mercúrio. A continuidade da mineração sem consulta e controle representa, portanto, uma violação direta de obrigações internacionais assumidas pelo Brasil.

Medidas exigidas

O MPF estabeleceu um prazo de 30 dias para que os órgãos notificados se manifestem sobre o cumprimento das recomendações. Entre as exigências estão:

  • ANM: anular 15 títulos minerários, não renovar e não conceder novos sem consulta prévia aos Munduruku;
  • Pará, Itaituba e Jacareacanga: declarar a nulidade das licenças ambientais dessas PLGs e impedir novas renovações sem consulta e intervenção da Funai;
  • Funai: intervir em todos os processos de licenciamento, presentes e futuros, que envolvam o garimpo no Tapajós.

Um alerta grave

O documento do MPF vai além de um apelo burocrático. Ele denuncia um sistema que se sustenta na omissão e na conivência de órgãos públicos, permitindo que práticas ilegais e destrutivas se perpetuem. Trata-se de uma crise que combina degradação ambiental, ameaça à saúde pública e violação de direitos fundamentais.

A contaminação por mercúrio e a destruição do rio Tapajós configuram um risco existencial para os Munduruku e comunidades vizinhas. Mais que uma questão jurídica ou administrativa, o que está em jogo é a sobrevivência de um povo e a integridade de um dos mais importantes ecossistemas da Amazônia.

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