Voto secreto retorna à ‘PEC da Blindagem’ em sessão turbulenta na Câmara

Além de voto secreto para investigações, proposta amplia foro e altera quórum para prisão em flagrante, gerando atritos com o governo, atiçando esquerdistas para judicializar a matéria

Brasília – Finalmente a Câmara dos Deputados concluiu na tarde desta quarta-feira (17), a votação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 3/2021, denominada “PEC da Blindagem”, marcada por uma reviravolta que ressuscitou o dispositivo da votação secreta para autorizar investigações de deputados e senadores no Supremo Tribunal Federal (STF). A manobra, encabeçada pelo Centrão e apoiada pelo presidente da Casa, Hugo Motta (Republicanos-PB), gerou forte contestação da oposição e agora a proposta segue para o Senado Federal.

Reviravolta com cavalo de pau de emenda aglutinativa
O processo de votação da PEC, teve um desfecho dramático. Na noite de terça-feira (16), em segundo turno, a votação secreta havia sido suprimida do texto principal, representando uma vitória para partidos de esquerda e o Novo. O trecho que previa o voto secreto foi retirado após receber 296 votos a favor e 174 contrários, não atingindo a maioria qualificada de 308 deputados necessária para sua manutenção.Após essa derrota, o presidente Hugo Motta suspendeu a sessão para evitar novos reveses, adiando a análise de destaques que poderiam alterar o texto para o dia seguinte.

No entanto, em uma articulação política nesta quarta-feira (17), o Centrão operou uma manobra para reverter a supressão. Por meio de uma emenda aglutinativa, proposta pelo relator Claudio Cajado (PP-BA), o termo “secreta” foi reintroduzido na PEC. Cajado, designado relator da PEC pelo presidente da Câmara na segunda-feira (15) à noite e aliado do ex-presidente da Câmara Arthur Lira (PP-AL), defendeu a manobra. Ele afirmou: “A votação de ontem não espelhou o amplo posicionamento do plenário da Casa. A votação transcorreu após a meia-noite. Muitos deputados me procuraram dizendo que estavam dormindo, que dormiram inclusive de forma inesperada”. O relator sustentou que o voto secreto possui apoio majoritário e que sua derrubada se deu por “alguns deputados dormiram — a sessão era remota e faltaram 12 votos para manter o texto”.

A emenda aglutinativa foi aprovada por 314 votos a favor e 168 contrários. Hugo Motta rejeitou todos os questionamentos da oposição, argumentando que o resultado do primeiro turno, onde o voto secreto alcançou maioria, demonstrava a “existência de concordância política” na matéria. O texto principal da PEC já havia sido aprovado em dois turnos na terça-feira.

Coletiva de imprensa de partidos da base de apoio ao governo. Dep. Lindbergh Farias (PT-RJ) esculhamba aprovação da PEC da Blindagem, mesmo correligionários votando a favor. Foto: Bruno Spada/Ag. Câmara

Confira, em instantes, na Coluna Giro no Planalto desta quarta-feira, as razões da “contradição ambulante” do PT, na votação da PEC.

Oposição baixou o pau
A manobra foi duramente criticada pela oposição, que a classificou como “escandalosa, imoral e inconstitucional”. Deputados argumentaram que a estratégia contraria o regimento interno da Câmara, uma vez que a análise em segundo turno permitiria apenas a supressão de texto, e não a alteração ou inclusão de novos dispositivos. Em resposta, os líderes do PT, Lindbergh Farias (RJ), e do PSOL, Talíria Petrone (RJ), declararam que irão acionar a Justiça [STF] contra a decisão de Motta.

A tática de ressuscitar trechos de textos já derrubados em votações separadas, apesar do esperneio dos deputados da esquerda, já era utilizada em gestões anteriores na Câmara, sob a presidência de Arthur Lira, mas iniciada na gestão do ex-deputado Eduardo Cunha.

A manobra que permitiu a reinserção do voto secreto é atribuída à influência de figuras como Eduardo Cunha e Arthur Lira, “padrinhos políticos do atual presidente”, Hugo Motta. Motta, demonstrou empenho pessoal na aprovação da PEC, afirmando a aliados que o resultado “seria uma demonstração de sua força junto aos deputados, consolidando sua autoridade enquanto presidente da Câmara, e também um aceno aos parlamentares”.

Blindagem contra STF

A proposta, chamada pelos deputados de “PEC da Blindagem”, tem como objetivo central conceder ao Congresso Nacional o poder de barrar processos criminais no STF contra deputados federais e senadores. Para isso, será exigida uma licença prévia do Legislativo, a ser deliberada pela respectiva Casa em até 90 dias a contar do recebimento da ordem do Supremo. Mais de uma centenas de congressistas estão sendo investigados na Corte Suprema, por diversas suspeitas.

Além da autorização para investigações, a PEC da Blindagem também prevê a votação secreta do Legislativo para autorizar a prisão em flagrante de deputados federais e senadores. A emenda aglutinativa, aprovada nesta quarta-feira, unificou em um único parágrafo as duas possibilidades de votação secreta: a que havia sido derrubada (para autorizar investigações) e a que não havia sido derrubada (para autorizar prisões), restaurando, na prática, o texto original da PEC neste ponto.

A proposta também altera a maioria exigida para o aval à prisão em flagrante, passando de maioria simples (maioria dos presentes) para maioria absoluta (maioria dos 513 deputados, ou seja, 257 votos). Adicionalmente, a PEC amplia o foro especial para presidentes de partidos. Essa blindagem é mais ampla do que a original estabelecida na Constituição de 1988, e que uma proposta similar havia sido derrubada em 2001 devido à pressão popular contra a impunidade. “Mas hoje, o cenário mudou”, defenderam os apoiadores da matéria.

Retaliação ao governo Lula
A manobra do Centrão está sendo interpretada como parte de uma retaliação ao governo Lula. A insatisfação de integrantes do Centrão decorre da atuação do PT na votação da PEC na terça-feira, onde o partido votou majoritariamente contra a proposta, apesar de um alegado acordo de bastidores entre governo e o próprio Centrão.

Este acordo visava a aprovação da PEC em troca de uma derrota na votação da urgência da anistia ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), que também seria analisada nesta quarta-feira. O PT entregou 12 votos a favor da proposta e, nesta quarta-feira, 8 votos a favor da emenda, o que foi considerado insuficiente pelo Centrão. O governo, por sua vez, liberou sua bancada e afirmou que não interferiria na tramitação da proposta.

Em decorrência dessa insatisfação, além da emenda aglutinativa na PEC da Blindagem, outras reações contra o governo Lula estão em curso. Uma das medidas avaliadas para responder ao governo passa pela votação de uma Medida Provisória (MP) que amplia a isenção do pagamento da conta de luz para até 60 milhões de brasileiros. Essa MP precisa ser votada na Câmara e no Senado nesta quarta-feira, sob risco de perder a validade.

Embora a MP possua grande apelo popular e o Centrão não deva derrubá-la por receio de críticas na opinião pública, uma das possibilidades discutidas é a votação de um destaque, patrocinado pelo Centrão e que será apresentado pelo partido Solidariedade.

Esse destaque busca “constranger o governo federal”, ao ampliar o número de beneficiários da medida, mas encarecer a tarifa a ser paga por consumidores de classe média e setores da indústria.

A Confederação Nacional da Indústria (CNI) já se manifestou contrária ao destaque, alertando que ele prejudicaria “setores ‘fundamentais para a economia brasileira e os custos do novo encargo poderão ser repassados ao consumidor final, com efeitos em cascata’”. Essa discussão sobre o destaque ocorreu em reunião na noite de terça-feira entre Motta e líderes da Câmara, após a votação da PEC, e foi alongado durante a manhã desta quarta-feira.

Adicionalmente, integrantes do Centrão defendem alterar um trecho da Medida Provisória, transferindo competências do Ministério de Minas e Energia para a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). Esse movimento enfraquecer o ministro das Minas e Energia, Alexandre Silveira, que virou desafeto de parlamentares da cúpula da Câmara e do Senado.

A manifestação de alguns senadores
Com a aprovação na Câmara, a “PEC da Blindagem” segue agora para o Senado Federal. Para ser promulgada e entrar em vigor, a proposta precisará ser aprovada em dois turnos também no Senado. Por se tratar de uma emenda à Constituição, não cabe sanção ou veto presidencial. O presidente da CCJ no Senado, Otto Alencar (PSD-BA), lamentou que a Câmara aprovou a matéria, e disse que no colegiado mais importante da Casa revisora, “a PEC vai cair”.

* Reportagem: Val-André Mutran (Brasília-DF), especial para o Portal Ver-o-Fato.

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