A lógica do mercado financeiro, baseada na busca incessante por lucros e dividendos, não pode se sobrepor ao bem-estar físico e mental de quem sustenta essa engrenagem: os trabalhadores. Quando a pressão por resultados extrapola os limites da dignidade, o que deveria ser rotina profissional se transforma em ambiente de violência psicológica. Foi exatamente isso que o Ministério Público do Trabalho no Pará e Amapá (MPT PA-AP) constatou ao investigar o Bradesco S.A., resultando em uma Ação Civil Pública contra o banco.
A denúncia apontou práticas sistemáticas de assédio moral em várias unidades da instituição, com relatos de cobranças humilhantes, metas inatingíveis, ameaças de demissão, vigilância excessiva por aplicativos de mensagens e até apelidos depreciativos dirigidos a funcionários.
O caso foi levado à Justiça do Trabalho, que nesta quarta-feira (24) acolheu os pedidos do MPT e concedeu tutela provisória de urgência, obrigando o Bradesco a adotar medidas imediatas para cessar abusos e implantar políticas de prevenção.
Determinações da Justiça
A decisão da 16ª Vara do Trabalho de Belém impõe uma série de obrigações, entre elas:
proibição de metas inexequíveis, isolamento deliberado ou humilhações públicas;
divulgação, em todo o país, de uma política clara de combate ao assédio moral;
treinamentos obrigatórios para gestores;
criação de um canal de denúncias independente e sigiloso;
emissão de Comunicação de Acidente de Trabalho (CAT) sempre que houver suspeita de vínculo entre atividade laboral e adoecimento mental;
inclusão dos riscos psicossociais nos programas de saúde e segurança do trabalho.
Em caso de descumprimento, o banco pagará multa diária de R$ 50 mil por obrigação violada e por trabalhador atingido, valores a serem revertidos ao Fundo de Defesa de Direitos Difusos (FDD) ou a outra entidade pública indicada pelo MPT.
O retrato de um adoecimento coletivo
O levantamento do MPT mostra a gravidade do quadro: entre 2020 e 2024, foram registrados em todo o Brasil milhares de afastamentos de bancários do Bradesco por transtornos mentais e comportamentais com Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário (NTEP) reconhecido. Foram 5.099 casos envolvendo mulheres e 2.970 de homens. O recorte de gênero é marcante, já que as trabalhadoras aparecem como as mais afetadas, quase o dobro de afastamentos em relação aos homens.
No Pará, o cenário segue a mesma lógica nacional, segundo dados oficiais da Previdência Social. O MPT destacou que tais números, por si só, já configuram um indicador epidemiológico de risco grave e persistente à saúde mental dos empregados.
Diante disso, o órgão pediu que o caso seja julgado com perspectiva de gênero, aplicando protocolo do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) que busca reduzir a exposição das vítimas, evitar revitimização e criar mecanismos de reparação.
Danos coletivos e pedido de indenização
Além das medidas emergenciais, o Ministério Público do Trabalho requer a condenação definitiva do Bradesco ao pagamento de R$ 10 milhões a título de dano moral coletivo. O processo tramita sob o número ACPCiv0000675-91.2025.5.08.0016.
Dilema do mundo corporativo
O episódio expõe de forma contundente um dilema do mundo corporativo contemporâneo: até que ponto a busca pelo lucro justifica métodos de gestão que levam ao adoecimento em massa de trabalhadores? O Bradesco, um dos maiores bancos privados do país, construiu sua imagem pública sobre solidez e eficiência, mas agora se vê confrontado com a face sombria de sua cultura interna.
É inaceitável que, em pleno século XXI, ambientes de trabalho continuem operando à base de humilhação e medo. A decisão da Justiça e a atuação firme do MPT representam um recado claro: o resultado financeiro não pode valer mais que a saúde mental e a dignidade dos trabalhadores.
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