“Careca do INSS” repudia o apelido e jura que nunca pagou propina

Debates acalorados sobre milhões movimentados por empresas de Antônio Carlos Camilo Antunes e a ascensão meteórica de entidades associativas, levantando questões sobre falta de fiscalização e possível conluio

Brasília – Sem a obrigação de falar a verdade, protegido por um habeas corpus, o lobista que se apresenta como empresário, Antônio Carlos Camilo Antunes, o “Careca do INSS”, encerrou seu longo depoimento à Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) do INSS nesta quinta-feira (25), repudiando o apelido, sem responder perguntas do Relator por se considerar antecipadamente incriminado, e jurou que nunca pagou propina a ninguém.

Preso na Superintendência da Polícia Federal em Brasília desde o dia 12 de setembro, a testemunha-chave, suspeito de ser um dos dois maiores operadores do esquema bilionário da roubalheira no INSS.

Antônio Carlos, antes de se transformar no “Careca do INSS”, contou que foi office boy, caminhoneiro, nos anos 90 era conhecido pelos amigos como “O Mala”, foi convidado a assumir uma Diretoria numa grande farmacêutica, e depois apareceu como grande empresário com patrimônio espetacular, amealhado nos últimos três anos, sendo chamado por vários congressistas como “um gênio das finanças, do empreendedorismo e da livre iniciativa”.

Nas oitivas que se iniciaram com grande tumulto em razão de intervenção indevida de um dos seus advogados. Cleber Lopes, é um dos mais caros criminalistas da Capital Federal, porém, o “Careca do INSS”, não conseguiu provar a licitude do seu crescimento patrimonial.

Posto ordem na Casa, a sessão transcorreu com o revezamento de perguntas de deputados e senadores membros do colegiado.

Trajetória e crescimento patrimonial questionado
O senador Izalci Lucas (PL-DF) indagou sobre a legalidade do crescimento patrimonial de Antunes, especialmente sua atuação como procurador da Ambec, entidade que transferiu cerca de R$ 12 milhões para sua empresa Prospect. O senador questionou: “Como o senhor explica ter procuração para representar uma associação de aposentados e, ao mesmo tempo, ser destinatário de transferências milionárias dessas mesmas entidades? Isso não configura um conflito de interesses?”.

Antunes, em resposta, alegou que sua procuração se destinava a “assuntos específicos de tramitação de informações dentro do SEI” e que o desligamento de Rubens, um dos investigados, ocorreu devido ao “final dos trabalhos” e a uma cautelar da Polícia Federal que o impedia de manter contato. Ele também mencionou que suas empresas faturavam com base em “quantitativo de associados e o valor e o preço do serviço prestado a cada uma das entidades”, afirmando que os documentos que comprovam a licitude estão com a Polícia Federal.

Movimentações financeiras e empresas offshoreAs movimentações financeiras de Antunes foram um dos focos da investigação. O senador Jorge Seif (PL-SC) apontou que, apesar de uma renda declarada de R$ 24 mil, a Polícia Federal identificou uma movimentação de R$ 53,8 milhões em suas contas e a aquisição de um imóvel de R$ 3,3 milhões na Flórida. Antunes justificou a discrepância alegando que suas “declarações de Imposto de Renda na Receita Federal” contêm todos os dados e que seus ganhos são lícitos e declarados. Ele também confirmou possuir imóveis na Flórida, incluindo um apartamento e uma casa em cotas, além de empresas em paraísos fiscais como as Ilhas Britânicas e uma offshore no Panamá, todas, segundo ele, “corretamente” declaradas.

A vasta rede empresarial de Antunes, com 22 empresas em diversos setores – de call center e construtora a empresas de Cannabis – também foi alvo de questionamentos. Seif sugeriu que as empresas poderiam ser fachadas para “movimentação de uma forma que não despertasse suspeitas, provavelmente lavagem de dinheiro desse dinheiro todo que sumiu aí da conta dos aposentados”. Antunes, por sua vez, defendeu-se afirmando ser um empresário “próspero na minha ótica, com muito trabalho, com muita dignidade”, que aproveita “oportunidades” e atua em “várias frentes”.

A deputada Bia Kicis (PL-DF) reiterou as dúvidas sobre o enriquecimento rápido de Antunes, citando o comentário de pessoas que o conhecem há muito tempo e “estranharam muito a maneira como o senhor enriqueceu em tão pouco tempo e tão rápido”. Antunes rebateu, atribuindo seu sucesso à “evolução da minha graduação, do meu esforço, do meu empenho e trabalho”.

Ligações com autoridades e famílias de servidores do INSS
A CPMI explorou a relação de Antunes com figuras ligadas ao INSS e ao governo. O senador Jorge Seif destacou que Antunes “frequentou esta Casa, o Senado da República, frequentou gabinetes neste Senado, em várias oportunidades” e visitou um senador do PDT [Weverton Rocha], o mesmo partido do ministro Carlos Lupi, que teria nomeado vários servidores no INSS. A negativa do Senado em liberar as imagens dessas visitas causou indignação entre os parlamentares.

Em outro ponto sensível, o senador Rogério Marinho (PL-RN) e o senador Sergio Moro (UNIÃO-PR) questionaram os pagamentos milionários de empresas de Antunes a familiares de funcionários do INSS. Thaisa Hoffmann, esposa do ex-Procurador do INSS Virgílio, recebeu R$ 7 milhões por serviços médicos, enquanto Eric Douglas Fidelis, filho do ex-Diretor de Benefícios do INSS André Fidelis, recebeu R$ 1,225 milhão por serviços de educação jurídica.

Antunes defendeu a legalidade dessas contratações, afirmando que são “legítimas, serviços entregues a parentes de servidores do INSS”. Sobre Thaisa, ele explicou que ela produziu “material de aula médica […] referente a doenças prevalentes em pessoas com mais de 60 anos”, pago “per capita” baseado na quantidade de vidas que poderiam usar o aplicativo. No caso de Eric Fidelis, tratava-se de “educação jurídica” sobre “temas previdenciários”.

Sergio Moro chamou a empresa de Thaisa de “fachada” e os pagamentos de “propina, suborno”, algo que Antunes refutou, atribuindo a discrepância de pagamento da empresa de Cannabis para a médica como “um erro de contabilidade ou senão um erro de informação”.

A presença de Antunes em uma reunião com o ministro da Previdência Social Wolney Queiroz, ex-chefe de gabinete de Carlos antes da demissão de Carlos Lupi, após estourar o escândalo, Alexandre Guimarães e Virgílio Filho, em 12 de janeiro de 2023, que não constava nas agendas oficiais, também foi abordada. Antunes alegou que foi ao encontro do amigo Leandro Fonseca e “participou por educação”, negando ter “ingerência, participação, influência” em tais assuntos.

Dados associativos e a atuação da CPMI
O deputado Paulo Pimenta (PT-RS) apresentou dados alarmantes sobre o crescimento das associações e os descontos. Ele destacou que a Ambec, que tinha três associados, passou a movimentar R$ 500 milhões em descontos, enquanto outras como Unaspub (R$ 267 milhões), AP Brasil (R$ 137 milhões), CBPA (R$ 221 milhões) e Cebap (R$ 195 milhões) também tiveram crescimento exponencial a partir de 2021 e 2022.

Pimenta argumentou que esses volumes “se deu sem autorização das pessoas, através de call centers”, e que o esquema “foi possível graças à falta de fiscalização que viabilizou que uma situação como esta acontecesse no país a partir de 2021, a partir do Governo Bolsonaro”. Ele solicitou uma acareação entre Antunes e Eli Cohen, apontado como o criador da alcunha “Careca do INSS” e um dos principais denunciantes.

Quadro que ilustra a explosão da roubalheira no INSS, “demonstra o crescimento em progressão aritmética, se transformando em progressão geométrica no Governo Lula”, citada pelo senador Rogério Marinho (PL-RN). Foto: Edilson Rodrigues/Ag. Senado

O senador Rogério Marinho contraditou a narrativa, afirmando que o Governo Bolsonaro implementou medidas de combate a fraudes (MP 871, Decreto 10.421, IN 110/128) e rescindiu/suspendeu ACTs, enquanto o atual governo “afrouxou regras”. Marinho frisou que fraudes no sistema previdenciário “sempre existiu” e que o boom de associados (de 2,7 milhões em 2022 para 7,5 milhões em 2024) evidencia uma “eficiência” e “atratividade” suspeita das entidades.

Em suja fala, a Senadora Eliziane Gama (PSD-MA) ressaltou que a investigação aponta para uma “engrenagem” de lavagem de dinheiro, com R$ 400 milhões da Ambec ainda não rastreados. Ela sugeriu a possibilidade de colaboração premiada para Antunes, dada sua “figura central” no esquema, algo que ele rejeitou, alegando não ter nada a acrescentar.

Apelo por justiça, transparência e travas no serviço público contra a corrupção
Ao final da sessão, o presidente da CPMI, Carlos Viana (PODEMOS-MG), fez um apelo por respeito às regras e prerrogativas, enfatizando que a comissão tem a função de investigar e “dar respostas ao povo brasileiro e um relatório que tenha consistência jurídica”. Ele sublinhou a dificuldade de combater a corrupção e a percepção de que “as pessoas dizem que não há justiça no Brasil”.

Viana reafirmou o compromisso da CPMI em avançar nas investigações “apesar de todas as dificuldades”, para resgatar a confiança na política e na justiça.

A próxima reunião da CPMI foi agendada para segunda-feira, com as oitivas de Carlos Roberto Ferreira Lopes, Presidente da Conafer, e Fernando dos Santos Andrade Cavalcanti, empresário.

* Reportagem: Val-André Mutran (Brasília-DF), especial para o Portal Ver-o-Fato.

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