Dez anos após naufrágio do Haidar, Barcarena ainda carrega marcas da tragédia animal e ambiental

Navio com quase 5 mil bois afundou no Porto de Vila do Conde em 6 de outubro de 2015, causando um dos piores desastres ambientais do Pará; uma década depois, a embarcação ainda jaz no fundo do rio, simbolizando danos não sanados e questionamentos sobre a exportação de gado vivo em pé. Fotos: Carolina de Oliveira

Barcarena, PA – Há dez anos, na madrugada de 6 de outubro de 2015, o navio de bandeira libanesa Haidar, carregado com quase cinco mil bois vivos, 28 tripulantes e 700 toneladas de óleo diesel, inclinou e naufragou no berço de atracação 302 do Porto de Vila do Conde. O acidente resultou na morte dos animais, desencadeou um severo desastre ambiental, prejuízos econômicos e sociais à população local, e expôs os riscos da exportação de gado vivo por via marítima. Uma década depois, as cicatrizes permanecem, tanto na paisagem quanto na vida da população.

A decomposição da carga animal e o vazamento do óleo criaram um rastro de contaminação que se estendeu por dezenas de quilômetros, alcançando inclusive a região metropolitana de Belém, localizada cerca de 60 km rio abaixo. O impacto foi imediato e devastador para as comunidades ribeirinhas, comprometendo a subsistência de milhares de famílias que dependiam do rio para pesca e transporte, e afetando a saúde de centenas de pessoas ao longo dos anos.

Acordo Judicial e Indenizações

Registro da Audiência Pública realizada em 16 de outubro de 2015 em Barcarena, que debateu os impactos do naufrágio do navio Haidar. O evento foi proposto pelo então deputado federal Edmilson Rodrigues (PSOL). 

Em resposta à tragédia, o Ministério Público Federal (MPF), em conjunto com o Ministério Público do Estado do Pará (MPPA) e as Defensorias Públicas da União e do Estado, firmou um acordo com as empresas responsáveis. De acordo com informações do MPF, foram pagos R$ 10,65 milhões em indenizações às famílias impactadas e outros R$ 3,05 milhões destinados ao financiamento de projetos comunitários locais, gerenciados pela Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (Fase), por meio do Fundo Dema.

Apesar do acordo, a carcaça do Haidar ainda está submersa no local, impedindo a utilização do berço de atracação, causando um prejuízo incalculável à atividade portuária. Dados do Portal da Transparência do governo federal revelam que o então ministro da Infraestrutura na gestão Bolsonaro, Tarcísio de Freitas, gastou R$ 18,1 milhões em uma tentativa fracassada de reflutuar e remover o navio (parte de um contrato total que ultrapassava R$ 44 milhões). O serviço, no entanto, nunca foi realizado.

A indignação com o ocorrido ecoou rapidamente. Dois dias após o desastre, em 8 de outubro de 2015, o então deputado federal Edmilson Rodrigues (Psol-PA) cobrou na tribuna da Câmara uma “profunda investigação” por parte da Marinha do Brasil. Na ocasião, ele atribuiu a tragédia à “sanha por lucro e a ganância”.

“O Pará é hoje o Estado líder na exportação de gado vivo no Brasil, colocação conquistada com o sofrimento e a miséria de nosso povo que em nada se beneficia desta liderança”, afirmou o parlamentar, criticando também as condições cruéis a que os animais são submetidos durante o transporte.

“São a sanha por lucro e ganância que também tem submetido os animais a condições cruéis e degradantes, onde ficam comprimidos em caminhões quentes, passando dias sem se mover ou descansar, e sem receber qualquer alimento ou água. Nos navios, a condição de transporte não são melhores. São dezessete dias de viagem até Beirute, no Líbano, sendo esmagados contra outros animais, morrendo de forma cruel ou contraindo doenças e traumas”, concluiu Edmilson.

Programação

Nos dias 5 e 6 de outubro, Belém e Barcarena (PA) recebem uma programação que marca os dez anos do naufrágio do navio Haidar. A iniciativa, realizada pelo Ministério Público Federal (MPF), pela Promotoria de Justiça de Barcarena, pela organização não governamental Mercy For Animals e Comissão de Direito Animal da Ordem dos Advogados do Brasil – Seção Pará (OAB-PA), tem como objetivo chamar a atenção para os impactos do naufrágio e da exportação de animais vivos por via marítima como um todo, que concentra boa parte de suas operações no porto de Vila do Conde, em Barcarena.

No dia 5 de outubro, na Praça da República, em Belém, será realizada uma manifestação para lembrar o desastre e pedir pelo fim da exportação de animais vivos no país. Já no dia 6 de outubro, o auditório da Escola Técnica de Barcarena recebe o seminário “10 anos depois: o naufrágio do navio Haidar”, que contará com mesas de debate, a exibição do documentário “Elias: O Boi Que Aprendeu a Nadar” e espaço para a participação da população local.

Visita do deputado federal Edmilson Rodrigues (PSol) poucos dias depois da tragédia. Foto: Carolina de Oliveira
Barco Haidar, de bandeira libanesa, naufragado. Foto: Carolina de Oliveira

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