Sindicato dos ladrões – Por Aldenor Junior

De longe, até parece um parlamento. Com mais cuidado se revela um um enorme balcão de negócios – Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado

Após a humilhante derrota da PEC da Blindagem no Senado, o Centrão e o bolsonarismo insistirão na anistia para os golpistas. A mobilização popular, grande responsável pelo revés histórico da direita, precisa manter a pressão.

Por Aldenor Junior

O ano era 1954. Marlon Brando conquistaria o Oscar por sua atuação em Sindicado de ladrões, de Elia Kazan. O idealismo do personagem de Brando entrou em choque com a pilantragem do chefe da máfia local, disposto a fraudar uma luta de boxe e cometer uma enorme gama de crimes, inclusive assassinato de adversários do submundo. O conflito ético se estabelece, afinal, vale tudo para subir na vida?

Da ficção à realidade, a escolha acaba sendo a mesma: o lucro fácil, a prostituição dos mandatos eletivos, a transformação da política em balcão de negócios, ou o difícil caminho de se manter fiel aos juramentos constitucionais que todos os parlamentares bradam quando de suas posses solenes? Para a grande maioria do Congresso Nacional a travessia desse rio estreito já foi feita há bastante tempo. Nos anos 1980, o jovem deputado federal Luís Inácio Lula da Silva cunhou a estimativa de que 300 picaretas ocupariam aquelas cadeiras em Brasília. Hoje, certamente, quase meio século depois, essa aritmética não se mostrará equivocada.

O fisiologismo é, sem dúvida, uma das nódoas mais evidentes do parlamento nacional. Esse fenômeno foi alcançando patamares muito mais desenvolvidos desde a ascensão de Eduardo Cunha à presidência da Câmara, em 2015. Esse espécime do que há de mais venal na vida partidária deixou raízes profundas. Artur Lira e Hugo Motta são produto direto da engrenagem que Cunha construiu durante anos, em uma lenta tessitura de relações promíscuas no chamado baixo clero, aqueles políticos avessos a discursos elaborados e de viés intelectual na tribuna, mas verdadeiros especialistas no desvio de recursos públicos. A emergência das emendas impositivas foi o combustível que fez dessas figuras, até então obscuras, a casta que sequestrou parcela significativa do orçamento brasileiro, com força suficiente para pôr de joelhos qualquer presidente, pouco importando a matriz ideológica de quem ocupava o terceiro andar no Palácio do Planalto.

Porém, não há crime perfeito. Nesta semana a direita (e sua facção extremista) sofreu uma derrota profunda. O Centrão, ou melhor, o Arenão – ajuntamento que reúne partidos e lideranças cujo DNA remete à antiga Arena, partido que sustentou o regime militar de 1964 -, enxergou a oportunidade de aprovar uma blindagem que servisse de proteção diante da real ameaça de uma avalanche de processos judiciais, muitos já em andamento e outros tantos previstos para explodir a qualquer momento. São dezenas de parlamentares ameaçados e a própria cúpula das poderosas máquinas partidárias sabe que pode amanhecer com a Polícia Federal em seus condomínios de luxo. A PEC da Blindagem surgiu como resposta necessária e urgente. Estava tudo combinado com o Senado e o próprio governo se viu emparedado, temendo a aprovação da anistia aos golpistas e a obstrução dos projetos de interesse do Executivo.

Foi aí, exatamente aí, que a voz das ruas falou mais alto. A repulsa da sociedade criou um ambiente que tornou impossível que o Senado assumisse seu papel de cúmplice na manobra. Aliás, não são poucos os senadores que experimentam o mesmo receio diante das investigações sobre uma grande gama de falcatruas, em geral envolvendo a execução de emendas, mas não somente. É gigantesco o leque de ilicitudes e de interpenetração do crime nas atividades legislativas. O que as operações contra o PCC (Primeiro Comando da Capital) têm revelado pode ser apenas a ponta do iceberg.

Foi também uma semana péssima para os bolsonaristas. É evidente que o governo Lula está sabendo aproveitar as oportunidades e está escalando um nível de protagonismo que empareda a ação vende-pátria do clã Bolsonaro, ainda mais após da atuação extraordinariamente bem-sucedida na Assembleia Geral da ONU, com a piscadela de Trump (é óbvio que essa aparente mudança de postura da Casa Branca deve ter sido pressionada por lobbies econômicos e sempre existe a hipótese de ser apenas uma cilada) e com o clima de apatia e desorientação da extrema-direita nativa.

Até o governador Tarcísio de Freitas engatou uma marcha à ré em suas pretensões de disputar com Lula em 2026, preferindo, pelo menos por enquanto, priorizar sua reeleição em São Paulo.

Pois bem, engana-se quem imagina que o Centrão e o bolsonarismo já esgotaram seu potencial de produzir estragos. Nos próximos dias o alvo é pressionar um desmoralizado Hugo Motta a pautar o projeto da anistia (ou da dosimetria, o que dá no mesmo). Pouco importará o relatório do deputado Paulinho da Força. Ele será apenas a base para a manobra. Um destaque propondo uma anistia ampla poderá ser aprovado e aí instaura-se o caos e o conflito institucional, ambiente em que a extrema-direita costuma nadar de braçada.

Como sempre, o “mostro da lagoa” que emergiu domingo não pode retornar ao seu berço esplêndido. Só o povo tem o poder de desafinar o coro dos contentes, deixando a vida dos Don Corleone do Congresso bem mais difícil. A hora, certamente, é agora.

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