No centro das investigações que cercam o prefeito de Ananindeua, Daniel Santos, e outros sete acusados de praticar crimes graves contra os cofres públicos, uma questão jurídica de grande relevância tem sido alvo de polêmica. Como mostrou o Ver-o-Fato no último domingo, 5, ao exibir entendimento de alguns juristas. Ao analisar a decisão do ministro do STF, Alexandre de Moraes, que determinou a paralisação de investigações, inquéritos e qualquer outro procedimento criminal contra os envolvidos no caso de Ananindeua, por não ter sido observada a atuação do “promotor natural”, eles alegaram que a denúncia feita pelo MP poderia ser nula.
Moraes atacou e derrubou uma portaria do MP paraense que criou Força Tarefa para atuar nas investigações em Ananindeua, constituída por promotores e procuradores de Justiça. O PGJ Alexandre Tourinho informou a este portal que a portaria já não existe mais e foi tornada sem efeito.
Por sua vez, em artigo enviado ontem ao Ver-o-Fato e amparado por um estudo elaborado por ele, com 16 páginas (leia no final), o advogado Giussepp Mendes mostra um entendimento diferente do que pensam esses juristas.
Quem tem competência para investigar e depois denunciar um prefeito em exercício de mandato? A resposta, sustentada por Giussepp Mendes, está nas próprias entranhas da Constituição Federal, da Lei Orgânica Nacional do Ministério Público (Lei nº 8.625/1993) e da Lei Orgânica do Ministério Público do Estado do Pará (LC nº 57/2006). Segundo ele, é atribuição exclusiva do Procurador-Geral de Justiça (PGJ) instaurar, conduzir e supervisionar investigações criminais que envolvam prefeitos, podendo ainda oferecer denúncia diretamente ao Tribunal de Justiça do Estado do Pará (TJPA).
O ponto de partida da argumentação de Mendes é o artigo 29, inciso X, da Constituição Federal, que define expressamente que o prefeito será julgado pelo Tribunal de Justiça. Essa previsão, observa o advogado, cria uma competência originária, ou seja, o caso deve nascer e tramitar no próprio Tribunal, e não em instâncias inferiores.
O artigo 161 da Constituição do Estado do Pará reforça essa disposição ao determinar que compete ao Tribunal de Justiça processar e julgar, originariamente, os prefeitos municipais nos crimes comuns e de responsabilidade.
“Trata-se de uma competência que não é apenas formal, mas também de proteção institucional”, explica Mendes. “Ela garante que o julgamento de autoridades municipais seja conduzido em uma instância superior, com maior rigor técnico e imparcialidade, evitando perseguições políticas ou distorções locais.”
O papel constitucional do Procurador-Geral de Justiça
Se cabe ao Tribunal julgar, cabe ao Ministério Público, como titular da ação penal pública, atuar como acusador natural. Nesse ponto, o Procurador-Geral de Justiça é o único legitimado a representar o Ministério Público perante o Tribunal de Justiça, diz Mendes.
O artigo 18, inciso I, da Lei Orgânica do MP do Pará estabelece que é função do PGJ exercer a chefia do Ministério Público, representando-o judicial e extrajudicialmente. Já o artigo 56, inciso IV, atribui-lhe a competência privativa para ajuizar ações penais originárias perante o Tribunal.
Em linguagem simples, significa que só o PGJ pode denunciar um prefeito ao Tribunal de Justiça. Nenhum promotor ou procurador de justiça pode fazê-lo isoladamente, a menos que receba delegação expressa do chefe do Ministério Público.
Investigação: o Ministério Público pode agir por conta própria
O parecer elaborado por Giussepp Mendes destaca outro ponto essencial: o Ministério Público tem poder investigatório próprio, reconhecido e consolidado pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Em decisões paradigmáticas, como o Recurso Extraordinário nº 593.727/MG, o STF reconheceu que o Ministério Público pode promover investigações criminais por autoridade própria, desde que respeitados os direitos fundamentais dos investigados.
“O Ministério Público não precisa de autorização judicial prévia para iniciar investigações, mesmo quando envolvem autoridades com foro privilegiado, como prefeitos”, resume Mendes. “A chamada ‘supervisão judicial’ só ocorre em momentos específicos, quando é necessária uma medida sujeita à reserva de jurisdição — por exemplo, uma quebra de sigilo bancário ou uma busca e apreensão.”
Essa interpretação está em consonância com a lógica do sistema acusatório brasileiro, que separa as funções de investigar, acusar e julgar. “O juiz não investiga, o Ministério Público não julga. Cada instituição tem um papel definido, e isso é o que preserva o devido processo legal”, explica o advogado.
Delegação e o princípio da unidade institucional
A Lei Orgânica Nacional do Ministério Público (Lei nº 8.625/93), em seu artigo 31, autoriza o Procurador-Geral de Justiça a delegar atribuições a procuradores de justiça, desde que a decisão final permaneça sob seu controle.
Na prática, isso significa que grupos especializados, como o GAECO (Grupo de Atuação Especial no Combate ao Crime Organizado), podem auxiliar o PGJ nas investigações contra prefeitos, sempre sob sua coordenação direta.
Essa estrutura garante eficiência à persecução penal e concretiza o princípio da unidade institucional, segundo o qual o Ministério Público atua como um corpo único, independentemente de qual de seus membros pratique o ato.
“O PGJ é o titular da ação, mas pode se valer de sua equipe técnica para apurar os fatos. O essencial é que ele mantenha o controle e a supervisão da investigação, como determina a lei”, afirma Mendes.
A jurisprudência confirma: o Procurador-Geral é o dominus litis
Para reforçar sua argumentação, o advogado cita precedentes emblemáticos. No HC 73.429, o Supremo Tribunal Federal reconheceu a legitimidade ativa de procurador de justiça delegado pelo PGJ para oferecer denúncia contra prefeito.
No ARE 706.288 AgR, a Suprema Corte reafirmou que a competência privativa do PGJ para propor ações contra prefeitos pode ser delegada, pois a legitimidade pertence à instituição do Ministério Público, que é “una e indivisível”.
Já o Recurso em Habeas Corpus nº 77.518/RJ, julgado pelo STJ, consolidou o entendimento de que não há necessidade de autorização judicial prévia para que o Ministério Público investigue prefeitos. O tribunal destacou que a prerrogativa de foro serve apenas para definir o órgão julgador, e não para limitar o poder investigatório do Ministério Público.
Em trecho citado no parecer, o ministro Ribeiro Dantas afirmou: “De rigor, pois, o exercício pleno da atribuição investigativa do Parquet, independente da sindicabilidade do Tribunal de Justiça, que somente deverá ocorrer por ocasião do juízo acerca do recebimento da denúncia ou, eventualmente, antes, se houver necessidade de diligência sujeita à reserva jurisdicional.”
O significado político e institucional desse entendimento
Ao expor a fundamentação jurídica que sustenta a competência do Procurador-Geral de Justiça, Giussepp Mendes toca também em um ponto sensível: a importância de resguardar a autonomia do Ministério Público frente a pressões políticas e interferências externas.
Em casos que envolvem autoridades municipais, essa autonomia é crucial para que as investigações sigam seu curso natural, sem subordinação ou dependência de instâncias locais que possam estar politicamente alinhadas ao investigado.
“Quando o Ministério Público é impedido de agir, a sociedade perde seu principal instrumento de controle da legalidade e de combate à corrupção”, ressalta o advogado. “A Constituição não concede ao prefeito um escudo de impunidade, mas apenas define que ele será julgado por um órgão mais qualificado.”
Conclusão: o PGJ como guardião da legalidade
O parecer de Giussepp Mendes é mais do que uma exposição técnica — é uma defesa do papel constitucional do Ministério Público como instituição essencial à Justiça. Ele demonstra que, no caso das investigações sobre o prefeito de Ananindeua, a condução do processo pelo Procurador-Geral de Justiça é não apenas legítima, mas obrigatória, conforme os preceitos constitucionais e a jurisprudência dominante.
Em suas palavras, “a lei é clara, e a jurisprudência é firme: cabe ao Procurador-Geral de Justiça, como dominus litis, conduzir a investigação, supervisionar atos preparatórios e, se necessário, oferecer denúncia ao Tribunal de Justiça. Tudo em nome da ordem jurídica, da moralidade administrativa e do interesse público”.
Ao reafirmar o poder-dever do PGJ, Giussepp Mendes recoloca o debate no terreno da legalidade — onde a política não contamina o direito, e o direito se torna o instrumento da verdade institucional.
Legitimação de medidas adotadas pelo PGJ
O parecer de Giussepp Mendes é robusto e se ancora em sólida doutrina e jurisprudência, revelando o cuidado técnico e o rigor jurídico na defesa da competência do Ministério Público. O documento reafirma o papel do Procurador-Geral de Justiça como o guardião da legalidade e condutor legítimo da persecução penal em casos envolvendo autoridades municipais, como prefeitos, que gozam de foro especial.
Ao delimitar claramente as fronteiras entre investigação, acusação e julgamento, Mendes reafirma o modelo acusatório constitucional brasileiro, que assegura independência ao Ministério Público e impede interferências indevidas na fase investigatória.
No contexto de Ananindeua — onde o prefeito Daniel Santos e outros agentes públicos são investigados por crimes graves contra os cofres públicos —, esse entendimento sustenta juridicamente a atuação do PGJ e legitima as medidas adotadas, incluindo as investigações e eventual denúncia ao Tribunal de Justiça.
The post A competência do PGJ e a legitimidade das investigações sobre o prefeito de Ananindeua appeared first on Ver-o-Fato.