Evento reforça a importância de colocar a ciência no centro das decisões climáticas e projeta o Brasil como protagonista na conferência que será realizada em Belém.
O Brasil se prepara para assumir um papel de maior protagonismo na agenda internacional do clima. Às vésperas da COP30, que acontecerá em novembro de 2025 em Belém (PA), a Finep (Financiadora de Estudos e Projetos) promoveu, no último dia 03 de outubro, um encontro estratégico entre representantes do governo e da comunidade científica para articular propostas que possam orientar a atuação do país durante a conferência.
A iniciativa reforçou uma mensagem clara: será a COP da verdade, e a verdade precisa estar baseada na ciência. Mais do que um lema, trata-se de um chamado para que o conhecimento científico deixe de ocupar uma função meramente consultiva e passe a guiar de forma efetiva as decisões políticas que o Brasil levará à mesa de negociações.
O papel da Finep na construção da agenda científica
Vinculada ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI), a Finep tem tradição como agência de fomento à pesquisa e à inovação. Ao liderar esse encontro, a instituição assumiu a posição de catalisadora entre diferentes atores, conectando ministérios, universidades, institutos de pesquisa e especialistas de diversas áreas. A meta é transformar diagnósticos técnicos em compromissos políticos robustos, que sejam não apenas anunciados, mas também mensuráveis e rastreáveis no cenário internacional.
O evento ressaltou que a ciência precisa ser vista como base legítima para definir metas, calcular impactos, monitorar resultados e propor soluções. Dessa forma, o Brasil pode chegar à COP30 munido de dados sólidos, métricas confiáveis e argumentos que deem credibilidade às suas posições.
Temas centrais em debate
O encontro revelou cinco eixos centrais que devem nortear a participação científica do Brasil na COP30:
- Fortalecimento da base científica das decisões climáticas
Projeções de cenários, indicadores e metodologias devem ser usados para fundamentar compromissos de mitigação e adaptação. A ciência não pode servir apenas como “referência de fundo”, mas precisa ser critério para decisões nacionais e internacionais. - Integração entre governo e academia
Pesquisadores precisam participar desde o desenho das políticas até a negociação internacional. Isso evita que o conhecimento seja consultado apenas na fase final e garante que propostas brasileiras tenham coerência técnica desde a origem. - Alinhamento com os documentos oficiais (NDCs e planos setoriais)
As contribuições científicas devem dialogar com os compromissos formais assumidos pelo Brasil. Isso significa preparar insumos que fortaleçam a atualização das NDCs, planos de energia limpa, de uso da terra e de redução de desmatamento. - Legitimidade social e engajamento público
Para ganhar força, as propostas precisam ser entendidas e apoiadas pela sociedade. Transparência e comunicação acessível são cruciais para que a população perceba a importância do tema e cobre sua implementação.
O encontro reforçou que a COP30 não deve ser encarada como um evento isolado, mas como parte de uma trajetória. O objetivo é construir mecanismos permanentes para fortalecer a ciência climática no Brasil, garantindo continuidade mesmo após a conferência.
Propostas estratégicas em construção
O debate resultou em cinco linhas de ação estratégicas que podem redefinir a forma como o Brasil se posiciona internacionalmente:
- Institucionalização da participação científica nas negociações
Criar mecanismos formais para que cientistas integrem delegações oficiais, participem dos grupos técnicos da COP e tenham voz ativa em decisões. A proposta é romper com a lógica de que a ciência é apenas um suporte, tornando-a parte da governança climática. - Construção de agendas integradas e coerentes
Uma das maiores críticas ao passado foi a fragmentação: ministérios apresentavam posições divergentes, sem unidade técnica. Agora, busca-se unificar energia, agricultura, meio ambiente, ciência e inovação em um documento robusto e alinhado. - Transparência e comunicação científica
A ciência precisa falar com a sociedade. Isso implica traduzir relatórios técnicos em linguagem acessível, produzir infográficos, abrir bases de dados e dialogar com a imprensa. A comunicação será um dos pilares para legitimar compromissos e pressionar por sua execução. - Conexão com monitoramento e métricas verificáveis
O Brasil deve levar à COP30 compromissos sustentados por métricas rastreáveis. Isso significa fortalecer satélites, observatórios climáticos, modelagem regional e indicadores confiáveis. Dessa forma, promessas ganham credibilidade internacional. - Legados para além da COP30
A ciência deve deixar marcas permanentes: centros de pesquisa, linhas de financiamento específicas e iniciativas culturais, como museus e espaços de divulgação científica. Esses legados ajudariam a consolidar o tema climático na rotina do país.
Desafios a serem superados
Apesar dos avanços, o caminho não será simples. Um dos principais entraves é a resistência institucional. Nem todos os setores da política e da economia aceitam que a ciência assuma papel central nas decisões, já que isso pode significar mudanças em modelos de desenvolvimento e enfrentamento de interesses estabelecidos.
Outro desafio é a diferença de ritmos entre ciência e política. Pesquisas demandam tempo, rigor metodológico e revisões, enquanto os governos e as negociações internacionais costumam operar sob pressão imediata por resultados. Essa assimetria pode gerar ruídos e até o risco de promessas baseadas em diagnósticos incompletos.
A questão financeira também pesa. A ciência climática exige recursos estáveis e previsíveis, e o Brasil historicamente sofre com cortes orçamentários. Sem financiamento contínuo, propostas podem se enfraquecer e comprometer a imagem do país em fóruns internacionais. Além disso, há o desafio de reduzir desigualdades regionais, fortalecendo centros de pesquisa na Amazônia, Nordeste e outras regiões menos estruturadas, para que a voz científica seja realmente plural.
Por último, a legitimidade social continua sendo fator determinante. Propostas técnicas que não dialogam com a população correm o risco de serem vistas como distantes ou elitistas. Por isso, comunicação clara e engajamento público são considerados pilares dessa estratégia.
Possível impacto para a COP30 e além
Se bem-sucedida, essa articulação pode transformar a forma como o Brasil é visto no cenário climático:
- Reforço da credibilidade internacional: compromissos embasados em ciência aumentam a confiança na posição brasileira.
- Propostas mais ambiciosas e realistas: ciência sólida dá condições de defender metas ousadas, mas viáveis.
- Fortalecimento da ciência climática nacional: mais recursos, mais redes de pesquisa e maior valorização institucional.
- Legado cultural e científico: iniciativas como museus, centros de inovação e programas de monitoramento deixarão marcas permanentes no país.
- Modelo inspirador: se funcionar, o Brasil pode se tornar exemplo de integração entre ciência e política climática para outras nações.
O encontro organizado pela Finep mostrou que o Brasil não quer apenas sediar a COP30, mas pretende influenciar seu conteúdo. Ao articular ciência e governo, o país sinaliza disposição de assumir um protagonismo baseado em evidências, e não apenas em discursos.
As propostas — ciência nas delegações, agendas integradas, monitoramento robusto, transparência e legado institucional — apontam para uma mudança estrutural. No entanto, seu sucesso dependerá da superação de barreiras políticas, da consolidação de financiamento e da capacidade de transformar conhecimento em decisões práticas.
Se essa articulação se firmar, a COP30 poderá ser lembrada não apenas como a primeira realizada na Amazônia, mas como a conferência em que o Brasil mostrou que ciência e política podem caminhar juntas para enfrentar a crise climática.
Referências principais citadas
- “Governo e comunidade científica articulam propostas estratégicas para a COP-30 em encontro organizado pela Finep”, Finep, 3 de outubro de 2025 finep.gov.br
- “Especialistas buscam mais poder de decisão da ciência na COP30”, Agência Brasil, 3 de outubro de 2025
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